Pasta Joia Review - 2
Augusto Sapateiro
Ele
incorporou como sobrenome a profissão da sua vida. Por quatro décadas, Augusto
Sapateiro foi o senhor consertador de calçados da minha pequena Curvelo.
Postado numa portinha para a Rua Sete de Setembro, Centro, o mestre da
renovação de sapatos tirava o sustento de remendos de couro e de borracha, sempre
de bom humor.
Quando
menino, eu curtia espiar Augusto martelando na oficina montada no apertado
cômodo que alugava de minha vizinha Gabriela. Era divertido também ouvir o
artesão da recauchutagem de pisantes botando apelido nos clientes e fazendo
troça sobre os serviços que recebia. Coisas como: “Ô Pedro de Lara, fala pro
Chacrinha que o bicolor fino dele está no jeito”.
Com
macacão e avental encardidos de graxa, prego no canto da boca e óculos de
lentes grossas, Augusto emergia de um banquinho no meio da bagunça. Rodeado de
caixas, latas e prateleiras com botas, sandálias e tamancos, ele encontrava
tudo com facilidade. Para completar a cena, a parede de fundo estava coberta de
pôsteres de modelos nuas, estilo borracharia.
As
mãos calejadas desse trabalhador solitário manejavam ferramentas distintas, do
essencial pé-de-ferro aos alicates miúdos, passando por tesouras e pincéis. Era
a delicadeza em ação no habitat mais rude. Àquele cubículo acorria gente de
todas as idades e classes sociais, para colocar sola, meia-sola e saltinho, dar
uma geral no sapato e para colar o tênis.
Às
vezes, Augusto era acionado para o reparo de roupa, bolsa, mala, pasta,
carteira e outras peças de couro. Até mesmo corrigir imperfeições de pares zero
quilômetro ele topava. O sapateiro de hoje exerce ofício que resiste firme
desde a fabricação feita à mão. Mas está em vias de extinção, graças à
indústria cada vez mais sofisticada e à escassez de mão de obra.
Aquele
homem bigodudo de cabeleira crespa e prateada aposentou o martelo de vez no
começo dos 1990, sem ter constituído discípulos da sua arte. Faz poucos anos,
Augusto faleceu aos mais de 80, deixando viúva e nenhum filho. Que Deus o
guarde em paz, onde todos andam descalços.
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