Pasta Joia Review - 23
Ianques, welcome!
Eles
estão entre nós há décadas, fazendo o bem. São voluntários e filantropos
americanos que deixaram o conforto de seus lares para se dedicar à saúde, à
educação e ao empreendedorismo de milhares de mineiros do interior e das áreas
carentes de Belo Horizonte.
Infelizmente
a histórica birra latino-americana com o Tio Sam impediu análises neutras e
profundas do papel desempenhado pelas bem-sucedidas parcerias beneficentes
entre Minas e Estados Unidos.
Testemunhei
desde menino situações nas quais os enviados da nação mais rica do planeta
fizeram a diferença, seguindo a máxima de ensinar a pescar em vez de
simplesmente dar o peixe.
Presenciei
ainda figuras estrangeiras de clubes de serviços, de ONGs e de agências
governamentais promovendo aqui sinceras e duradouras amizades. Meus familiares
e eu somos uma prova disso.
Em
1964 se hospedaram na pensão de Tia Calina, em Curvelo, duas americanas e um
americano, mandados por Washington para apoiar a associação local de jovens
rurais chamada de Clube 4-S (Saber, Sentir, Saúde e Servir), surgida nos anos
1950 sob inspiração ianque.
Sua
tarefa era ensinar cidadãos pobres e sem instrução a cuidar de sua higiene e a
incrementar os negócios de sua propriedade rural. Ficaram quatro anos seguidos
na cidade colhendo sucessos e o afeto do povo.
Com
pinta de galã de Hollywood, o agrônomo estadunidense arrancava suspiros das
moças da alta roda. Mas acabou sendo conquistado pela doméstica Ritinha, a quem
apresentou a sala de cinema.
Desse
trio de visitantes engajados, Ruth foi quem mais se aproximou de nós. Ela foi
embora triste por deixar para trás a sua família brasileira, como se referia ao
pessoal de minha casa. Nosso contato passou a ser postal, feito via envelopes
com listras verdes e amarelas e inscrição “par avion”.
Ruth
só voltaria a Curvelo mais uma vez, para passar o Natal de 1971 com os que a
tinham como amiga, irmã e tia. Por volta de 1978 a correspondência cessou,
quando nossa americana preferida rumou para outras missões, no Japão e no
México.
Faz
poucas semanas que a reencontrei via Facebook. Aposentada, ela continua muito
ativa, agora em sua agradável Louisiana. Oh, Lord! São quase
40 anos de conversa para colocar em dia.
Os
intercambistas do Rotary e do Lions, a maior parte deles nascida nos EUA, há
muito tempo brindam o cotidiano urbano dos curvelanos com episódios variados.
Nos
anos 1990, por exemplo, fui instado a ensinar passos de forró para Sarah, a mãe
de uma garota de dois metros de altura vinda do distante e gelado Alaska.
Aquela senhora expansiva, fisicamente parecida com a atriz brasileira Wilza
Carla, adorou a nossa festa junina.
Para
ela, o arrasta pé democrático na Praça Benedito Valadares remetia à dança e à
música tcheca polka. Seus cabelos negros e cacheados e as suas longas unhas
vermelhas até hoje rendem causos. No sertão, a filha dela não tinha,
lamentavelmente, com quem competir na quadra de basquete.
As
colunas sociais de meu município sempre registraram a chegada nos lares de
padrinhos leões e rotarianos de garotos e garotas de fora, tanto os daqui lá no
estrangeiro quanto os de lá aqui.
Por
fim, e não menos importante, recordo o momento insólito de um luxuoso ônibus de
turismo subindo na principal via do Aglomerado Santa Lúcia, na capital mineira,
em 1988. Dele saíram duas dúzias de americanos, membros sêniores da W.K.
Kellogg Foundation.
De
óculos escuros e roupas de veraneio, o grupo teve como anfitrião o reitor da
UFMG Cid Veloso, que os apresentou projetos de extensão sob os auspícios
técnicos e financeiros dos visitantes – uma creche e uma moderna clínica
odontológica para aquela comunidade pobre e numerosa.
Eu
era estagiário da Escola de Saúde (Esmig) e atuava em outros programas sociais
na barragem. Acompanhei o cortejo daquela gente grandalhona morro acima,
abanando seus leques e fazendo fotos com suas sofisticadas máquinas.
Mas
o que mais chamou minha atenção foi o Larry, o único afro-americano da
comitiva, muito parecido com o cantor Barry White. Ele procurou conversar com
os moradores que saiam de suas casas humildes em plena tarde de dia útil, para
ver a estrangeirada passar.
Servi
de intérprete do figuraça de boné e bermuda, que entabulou calorosos e
inesperados papos com os favelados. Uma benzedeira fez uma reza forte com a mão
sobre a cabeça dele.
Constrangido,
me perguntou se aquilo era vodu ou magia negra. Esclareci que ela estava só
abençoando o benfeitor, em sinal de gratidão. Ficou orgulhoso e aliviado.
Larry
também brincou com um menino de cinco anos que tinha como bicho de estimação
uma leitoa gigante, que gostava de ficar fuçando o lixo. E a conexão mais
fascinante que ele estabeleceu foi com um adolescente do funk, de camiseta da
NBA coberta de colares.
Mesmo
sem conhecer a língua um do outro, ficaram ali uma meia hora trocando
figurinhas sobre a american black music, na porta de um inferninho
que só abria depois da meia-noite.
Em tempos de xenofobia Trump, quero
louvar os homens e as mulheres da América que nos estenderam a mão sem nada
pedir em troca. São amigos para se guardar no peito. Uai, not?
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