Pasta Joia Review - 31
Uma Cafeteria, Três Corações
Nos
meus sonhos, certa casa vermelha em movimentada esquina da Praça da Savassi
continua de portas abertas, vicejando como ponto preferido para encontrar
amigos. A Cafeteria – conhecida como Três Corações – virou tradição em apenas
nove anos de história, até o precoce fim, no último domingo do outubro de 2006.
Seu súbito encerramento de atividades, há uma década, para dar lugar a uma loja
de celulares, revelou o quanto eu estava agarrado a uma mesa de tampo de vidro
a prensar grãos arábica.
Graças
à fiel presença no local, quase diária e desde a inauguração, conheci donos,
funcionários e dezenas de frequentadores. Apesar da crítica geral à demora no
atendimento e à limitada carta de vinhos, minha memória não lista concorrentes
afetivos àquele balcão de verve parisiense. Foram vários momentos felizes:
bate-papos inesquecíveis, ideias anotadas em guardanapo e confidências exaladas
pelo álcool.
A
Três Corações era o elo entre o fim de expediente e o repouso, a saideira
depois de outros points e o espresso pós-jantar, se ainda
estivesse aberta. Era também o estúdio de meu talk-show, onde se
revezavam como entrevistados desde convivas a colegas de trabalho e de happy-hour e
até quem acabara de adentrar o recinto só pra comprar cigarro, ir ao banheiro
ou fazer uma horinha. Foi nesse ponto de chegada aos que flanavam, savassiando à
la Roberto Drummond, que me fiz anfitrião.
Com
vista para a melhor boemia da capital, o estabelecimento era único com o
burburinho do lado de dentro e o sereno do calçadão. Os sábados na Diogo de
Vasconcelos eram de almoço frugal, debates molhados de Red, drinques cafeinados
e leitura sem pressa de jornal. Até tentava marcar reunião em local diferente,
mas os caminhos levavam ao “bar, doce bar”. A Cafeteria era meu Antonio’s (Tom
e Vinícius), meu Le Deux Magots (Sartre e Simone) e meu Tortoni (Gardel e
Borges).
Naquelas
tardes, noites e comecinhos de madrugada se forjou a antologia de uma trindade
– meu coração, o do interlocutor da vez e o da cafeteria. Ela começa com uma
referência à conhecida marca de café que leva o nome da cidade natal do Rei
Pelé e termina com um agradecimento aos que me serviam bebidas frias e quentes,
panqueca enrolada, pão de queijo napolitano e o sanduba Kanadani, receita do
cliente Riuiti.
Na minha despedida, em 1998, rumo a
Floripa, ganhei do gerente Wilson xícara e pires da marca tricordiana, sob
olhar de testemunhas. Fiquei tocado também em saber que perguntavam por mim na
cafeteria depois que me mudei. Sempre que voltava a Belo Horizonte, passava lá,
onde era “gente de casa”. Quando retornei para Minas, no fim de 2002, retomei
os encontros acidentais e programados. Até hoje, o abraço da avenida Cristóvão
Colombo com a rua Antônio de Albuquerque guarda para mim um viva à vida.
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