Pasta Joia Review - 3
3 de Janeiro de 2018
O badalar do relógio de parede de Maria Amélia era o instante mais solene da minha vida. Menino de calças curtas, eu ouvia inerte o alerta de hora cheia daquela relíquia pendurada na sala de estar de nossa vizinha.
O badalar do relógio de parede de Maria Amélia era o instante mais solene da minha vida. Menino de calças curtas, eu ouvia inerte o alerta de hora cheia daquela relíquia pendurada na sala de estar de nossa vizinha.
Aquele
momento em meio a móveis antigos e objetos luxuosos era ainda testemunhado pelo
olhar severo da fotografia do general Carneiro, avô da anfitriã. Após muito
tiquetaquear em companhia de nossa visita, a máquina de contar tempo alardeava
a sua presença quando o ponteiro grande dos minutos chegava à posição
perpendicular.
Mais
perto de minha casa lá em Curvelo, a pensão de dona Arminda exibia logo no
primeiro cômodo o seu relógio carrilhão com algarismos romanos e grande pêndulo
dourado. Para dar corda nele era preciso girar com cuidado uma manivela em
cada um dos três pequenos orifícios na metade inferior da face. Não era
qualquer um que sabia.
Para
consagrar esses dias cadenciados pelas engrenagens de velhos cronômetros, a
minha residência se situava entre dois templos católicos nos quais os sinos das
suas torres principais repicavam recados. Os relógios da Matriz de Santo
Antônio e da Basílica de São Geraldo jamais se atrasaram. Sobretudo às 18
horas, a hora da Ave Maria.
Ao
longo dos anos segui admirando tais artefatos e os consertadores deles, classe
profissional cada vez mais rara. Nos anos 70 e 80 de minha aldeia, o nosso
relojoeiro oficial era Joaquim Manoel de Miranda, mais conhecido como Seu Nonô,
dono da Ótica Diamantina.
Vindo
de São João da Chapada, o velho mestre de habilidosas mãos começou a carreira
na cidade em cima de uma bicicleta, como vendedor ambulante. Falecido em 2004,
legou lojas e ofícios aos filhos.
Como ensina a expressão em latim grafada em muitos daqueles tradicionais
relógios, hoje o tempo voa (tempus fugit) mais do que nunca. Ele voa e
não volta mais para a caixa de onde saiu, como fazem os simpáticos cucos.
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