Pasta Joia Review - 22
Meu pé de manga-pequi
Foi
em torno de uma frondosa mangueira que as minhas reinações de menino se deram.
Por vários anos encontrei sob a sombra daquele grande pé de manga-pequi o lugar
ideal para brincar, fantasiar e viver as coisas boas da infância. Esses meus
momentos felizes compartilhados por dezenas de amigos de Curvelo foram
testemunhados – e até mesmo proporcionados – pelo colosso plantado no meio do
quintal.
Sobre
os galhos principais da árvore gigante tínhamos postos elevados de observação.
Para debaixo do seu grosso tronco corria a garotada quando a chuva pesada
desabava repentinamente. Ela também se convertia no abrigo mais confortável
para tardes escaldantes e no ponto cotidiano de animados encontros para
brincadeiras e prosas ao ar livre. No caule rugoso dela grafávamos símbolos
secretos, estilo coração de namorados flechado por cupido.
Para
mim em particular, a velha mangueira era uma confidente, tal qual fora o pé de
laranja-lima para o Zezé do livro clássico de José Mauro de Vasconcelos. Como o
protagonista da obra que completa meio século em 2018, eu encontrava no vegetal
frutífero um estímulo à imaginação e à alegria de verdes anos. As
reminiscências dessa relação ainda estão vivas.
No
tronco escuro da mangueira, com detalhes verdes e prateados tingidos por
microparasitas, eu observava o sobe-e-desce de longas filas de formigas pretas
de traseira dourada. As partes afloradas de suas raízes serviam de divisórias
para maquetes de cidades e esconderijos de vilões e heróis. As manguinhas
verdes que caíam no chão eram, por sua vez, farto material para confeccionar
brinquedos, as unindo com palitos, tal qual peças de Lego.
A mangueira
era o quartel-general para nossos bonecos Falcon, que a escalavam rumo a
grandes aventuras numa selva imaginária. Secas, suas folhas se convertiam em
pilhas e essas em coluna de fumaça ao serem queimadas no latão. Com sua abóbada
verde cobrindo toda a área de trás da casa, a árvore-mor é até hoje é a parte
mais alta e visível da propriedade, tanto para quem está na rua quanto para os
vizinhos.
Em
relação à condição estrita de pé de manga, a árvore foi e continua sendo
prolífera. É fascinante observar como uma mangueira das maiores dava frutos tão
pequenos e tão doces. São caixas e caixas de fartura amarela meio alaranjada.
Fora o muito que caía espontaneamente, também colhíamos muito cutucando a copa
com vara longa.
Era
um esporte meticuloso tal qual o golfe. Com mais apetite ao risco, usávamos
pedras para derrubar os alvos resistentes. Após ser abatidos, rompia gritos de
comemoração. Nos tempos da safra ficávamos horas ali mesmo chupando as frutas
até deixar o caroço branco. Podia-se também cortar fatias para comer no café da
manhã, na salada do almoço ou congelar para bater mais tarde no liquidificador
como poupa de suco.
Aquela árvore de origem asiática sempre
foi generosa para gerações inteiras de minha família, sobretudo para os membros
mais novos. Tal qual um permanente ser de estimação, ela sempre figurou
majestosa e acolhedora nos fundos da casa de Arminda, a irmã de criação de
minha mãe. Dando frescor, suporte para varais e toneladas de frutos, nos deu
exemplo de perseverança e de dedicação aos que a procuravam.
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