Pasta Joia Review - 29
O ovo da Maricota
Os grotões ainda têm muito a dizer sobre a alma mineira. Mas
diziam muito mais em tempos menos acelerados. O educador Tião Rocha conta
que, no começo dos anos 70, o Projeto Rondon pousou num arraial do Norte de
Minas onde viviam famílias de lavradores, padre, farmacêutico, funcionário do
Correio e agente ferroviário. Médico? Só uma vez por mês. Naquelas profundezas
do sertão, a trupe de enfermeiros, antropólogos e assistentes sociais se
encantou com um velho caboclo.
Misto de pajé e cacique, Galdino vivia solitário numa casinha de latão.
Deitado na rede, ele meditava e dava conselhos a todos sobre tudo, desde como
se trata umbigo de recém-nascido. Também fazia previsão meteorológica após
checar a “testa da serra”. Vivia da venda de artesanato de barro extraído do
chão da morada após a chuva, sem sequer se levantar. “Pra que ir até a vida se
ela vem aqui?”, filosofava.
O palavreado folclórico do ancião, entrelaçando repertório e imaginação,
foi naqueles dias chacoalhado quando conheceu a tevê. A prefeitura instalou na
pracinha do arraial a máquina de fazer doidos, ligada das 19 às 21 horas.
Galdino virou cativo das imagens preto e branco, que coloriram de vez sua
oratória. O mais interessante foi quando expôs nova versão do Dilúvio.
“Por cima do céu tinha muitas pedras de gelo gigantes. Num dia, duas
trombaram e produziram faísca que abriu rombo no teto do mundo. Os blocos
derreteram e inundaram aqui embaixo. A água que cobria a lua também desceu. Foi
então que os astronautas da Apolo foram para lá”, profetizou. Galdino, contudo,
faria revelações bem mais desconcertantes.
No dia de rumar para outro logradouro, Tião deu adeus ao povoado, exceto
a Galdino. Estava na estação ferroviária esperando sozinho o trem que sairia em
breve quando chega galopando o velho sábio. Parou, pulou do cavalo e se
despediu rapidamente do professor. Mas antes de voltar à sela colocou na mão do
amigo um ovo embrulhado na palha de milho. “A maricota acabou de botar, tá até
quente”, murmurou, saindo depois em disparada.
Pasmo, Tião não sabia o significado daquilo. Não era possível ter ficado
tantos meses junto daquela gente e não saber o valor do ovo da maricota! Chorou
feito menino. O que fazer? A única solução possível: encostou o pacotinho num
canto do guichê, dizendo ao funcionário: “Vou deixar isso aqui, enquanto pego
outra coisa ali, e já volto”. Foi embora e nunca mais voltou lá.
Comentários