Pasta Joia Review - 32
A fantástica fábrica de gelo
Durante minha infância em Curvelo tive a sorte de ser vizinho de um
lugar incomum, que ganhava cores surreais da imaginação.
Misto de galpão industrial e castelo, a antiga fábrica de gelo do Zé
Ramos era, nos distantes anos 70 e 80, um ponto de transbordo entre os
bem-equipados pescadores de Belo Horizonte e os graúdos peixes de Três Marias.
Na breve passagem pela nossa cidade, turistas rumo à colossal represa do
norte-mineiro enchiam caixas de isopor com lascas de gelo, que conservavam
frutos da viagem no retorno ao lar. Tinha até quem parava ali no caminho de
volta, para reforçar o congelante. Sábado, véspera de feriadão e férias
escolares eram dias de comércio quente na fábrica.
Nos dias de grande movimento, ficava só observando o abastecimento de
carros, ouvindo histórias de pescaria. Mas o que mais atiçava minha curiosidade
era saber como funcionava a linha de montagem das enormes barras cilíndricas de
gelo. A grossa parede do frontispício não dava pistas do que ocorria lá dentro,
exibindo no alto só duas janelinhas de calabouço.
Ao lado daquele prédio amarelo de pé direito alto havia um amplo pátio
de circulação coberto de cascalho e cercado por garagem coberta, escritório e
outras dependências. A única entrada pela rua era um portãozão de ferro com
manchas avermelhadas de ferrugem, adornado com arabescos e encimado com
ameaçadoras pontas de lança. O abrir e fechar daquele trambolho com cadeado e
correntes produzia agudos rangidos e trovejadas.
Cruzar a sombria barreira da fábrica era quase uma aventura. Adentrar
aquele espaço mágico com maquinário estranho e coberto por telhas de barro era
como chegar ao interior de um submarino de alvenaria. Nesse ambiente de
temperatura normal havia inúmeras tubulações a formar o peculiar processo de
refrigeração. Eram longas fileiras de canos na horizontal e na vertical, alguns
deles submersos em piscinões onde cágados nadavam.
Consigo lembrar de dois salões da fábrica, o primeiro e maior deles com
válvulas, escotilhas, relógios de medição e conexões salpicadas de musgo e
neve. O outro era onde estavam os tanques de repouso das fôrmas de metal para
gelo, semelhantes a gigantes gizes de lousa. O único barulho era o das manobras
das barras. Por isso tudo, Zé Ramos era como um Willy Wonka, personagem do
filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, a guardar segredos de seus produtos
diferenciados e a fomentar sonhos das crianças.
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