Pasta Joia Review - 33
Natal dos felizes
Nossa
infância feliz no interior de Minas era feita de coisas simples. Naquelas
distantes décadas de 70 e 80, até mesmo a fartura do Natal não exigia muito do
orçamento doméstico. Sonhávamos acordados antes e depois de abrir os presentes
na manhã do dia 25 de dezembro e ainda reservávamos tempo para louvar o mais
ilustre aniversariante da data.
Na
sala de estar de minha casa, uma bela árvore emergia de um cacto-candelabro
coberto de arranjos natalinos. A decoração era completada por toalhas de mesa
vermelhas e por tocos de madeira do cerrado, que minha mãe enfeitava
divinamente. Era época de brindar a vida com Sidra Cereser, o espumante de maçã
sorvido como champanhe.
Desfilavam
pela ceia da véspera e pelo almoço da data comemorativa ao início da era cristã
pratos como salpicão de frango, lagarto recheado com cenoura e pernil assado
com abacaxi. De sobremesa, torta de amendoim gelada feita com bolachas. Outras
opções eram amor em pedaços, queijão e doce de figo. Tudo regado a Coca-Cola,
Fanta e Guaraná Antarctica Baré.
Antes
do banquete da mais luminosa noite do calendário, todos nós rezávamos diante do
presépio, louvando a imagem em gesso do menino Deus. Ao final das orações, cada
um beijava o pezinho dele. Naquela maquete, era chique usar espelhinho de bolso
para mimetizar água e botar palha no telhado do estábulo e na manjedoura tomada
por berço.
Sobre
um móvel vizinho dali ficavam elegantes cartões postais com votos de Boas
Festas enviados por amigos e familiares de vários lugares. Quem queria ir à
Missa do Galo, tomava rumo da igreja pouco antes do fim da comilança. Os que
ficavam assistiam à celebração do Papa na tevê, com tradução simultânea.
Telefonemas de felicitações também ocorriam.
Eu e
meus dois irmãos curtíamos os entes queridos ali reunidos até sermos derrotados
pelo sono, na luta para flagrar a invasão de Papai Noel. Acreditávamos
piamente. Meu pai nos dizia que, como não havia chaminé em nosso lar, o bom velhinho
entraria pelo longo e estreito basculante da porta principal. Nós o
imaginávamos bem gordo. Mas também flexível.
A
manhã do dia seguinte era aquela algazarra das crianças abrindo embrulhos
debaixo da árvore de Natal. Com as novidades em punho, marchávamos para a
pracinha da Matriz onde outros garotos e garotas também queriam compartilhar
suas alegrias. A brincadeira inaugural dos brinquedos era algo mágico e o
intercâmbio, espontâneo e inesquecível.
Bolas,
carrinhos, bonecos e máscaras de super-heróis e bicicletas para os meninos.
Bonecas variadas e móveis e utensílios de casinha para as meninas. “Vejam só o
que eu ganhei de Papai Noel!”, era a frase mais repetida na conversa à sombra
do coreto. Assim se dava o momento mais sublime do Natal dos felizes. O sertão
se cobria todo de sorrisos e de luz.
No embalo do dia anterior, o Natal nos
presenteava com programação televisiva especial, repleta de desenhos de
personagens conhecidos envolvidos na festa e de clássicos como A Rena
do Nariz Vermelho e o Milagre da Rua 34, além de versões
do famoso conto de Charles Dickens, protagonizado pelo avaro Scrooge ou um
equivalente. Tempo bom aquele.
Comentários