Pasta Joia Review - 18
Duas Marias
Uma
era doceira e a outra, salgadeira. Cada qual com a sua especialidade, elas
formavam uma dupla talentosa, muito requisitada para as festas de aniversário e
de casamento na Curvelo das décadas de 1970 e 1980. Mestras de populares
iguarias de mesa e de sobremesa, elas eram duas Marias a oferecer às famílias a
excelência de coisas simples.
Protagonistas
de uma arte tradicional, forjada e tocada por mãos calejadas de muitas Marias,
elas nos brindavam não só com pratos inesquecíveis. Também zelavam com paixão
por uma cultura culinária que celebrava a vida, o amor e a amizade.
Os
bombons de amendoim da italianona Maria Pretelis e as empadas de frango da
sertaneja Maria Barbosa provaram o quanto eram sofisticadas as receitas
caseiras. Com os seus aventais de guerra, bem mais singelos que as elegantes
vestes dos atuais chefes badalados pela tevê, elas faziam, uma a uma, as suas
preciosidades.
O
bombom de Dona Maria vinha do amendoim torrado e triturado no moedor de carne,
que formava uma massa levemente crocante e açucarada, enrolada na palma da mão
e depois coberta pela calda branca solvida no sumo do limão e logo
cristalizada. Para complementar, essa doçura ganhava uma pitada de confeito
colorido, a assinatura de suas raízes de Itália, terra de geniais confeiteiros.
Com
formação na velha cozinha da roça, a outra Dona Maria preparava uma carne
branca, caipira e desfiada, amolecida na panela de pressão e temperada por um
molho com muita azeitona e petit pois, como chamávamos a ervilha. O
recheio era inserido com colher em massas a forrar e depois recobrir forminhas
metálicas. Dali salgados essenciais iam para o forno e de lá saíam cheirosos e
apetitosos.
A
doceira matrona de pele clara e a salgadeira brejeira de lenço na cabeça eram
fiadoras de um cardápio valioso. Com estilos diferentes, o labor de cada uma
acontecia numa época menos acelerada que os tempos de hoje, de costumes
autênticos e prazeres democráticos nas refeições. Por isso, o ofício meticuloso
e sempre bem-sucedido dessas duas cândidas figuras merece o meu aplauso tardio.
De
sua gastronomia nascida na beira do fogão de lenha e registrada em cadernos
surrados de mães e avós vieram sabores e saberes que devem ser resgatados e
valorizados. Foi a partir de memórias afetivas, embaladas por estórias que
ainda me despertam saudade e água na boca, que busquei reavivar esse legado
interiorano.
Voltei a ter sete anos diante da imagem
na mente das duas Marias e de seus maravilhosos quitutes sobre as bandejas de
nosso lar. Pessoas passam, lembranças ficam e a vontade de degustar delícias da
infância volta. Sempre.
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