Pasta Joia Review - 9
O samurai do aço
Ele
tinha os olhos puxados, gostava da discrição, falava baixo e pausadamente,
trabalhava de maneira árdua e metódica e ainda cultivava hábitos saudáveis.
Capitaneando o primeiro grande empreendimento nipônico no mundo do pós-guerra,
o também cônsul honorário do Japão em Belo Horizonte entrou para a história
como verdadeiro samurai do aço. Não estou falando de um japonês nato nem
descendente, mas sim do engenheiro Rinaldo Campos Soares, mineiro de
Divinópolis e, para mim, o eterno presidente da Usiminas.
Tive
o privilégio de entrevistá-lo em diversas oportunidades logo no início de minha
carreira, como repórter de economia, no começo dos anos 1990. “Doutor Rinaldo”,
como era chamado na empresa, foi uma das minhas melhores fontes por muito
tempo. Sua figura inspiradora como executivo e cidadão sempre me visita na
mente, pois temo de que exemplos como o dele estejam ficando escassos no
cenário empresarial brasileiro. Foi com dedicação e honra, valores tão
cultuados no País do Sol Nascente, que ele conduziu destacado conglomerado
industrial.
Maestro
do rearranjo societário da Usiminas e da consolidação da Cosipa, outra estatal
adquirida em 1993, ele montou o maior complexo siderúrgico de aços planos da
América Latina sem apelar aos blefes dos jogadores profissionais do mercado
financeiro. A trajetória de Rinaldo foi construída sobre a busca permanente de
qualidade, de produtividade e de sustentabilidade ambiental e social. Nesse
sentido, orgulhava-se de ter pintado mais de uma vez os olhos do Darumã,
símbolo da perseverança.
A
Usiminas, única estatal lucrativa do Sistema Siderbrás, encontrou no
funcionário Rinaldo Soares um líder na transição para a fase privada, após o
leilão de 1991, unindo forças dos empregados e da sócia Nippon Steel. Nos 20
anos seguintes sob sua influência, a empresa mais que dobrou de tamanho,
transformando a usina de Ipatinga num grupo de alcance internacional e
cobiçados lucros. Isso tudo foi possível com princípios e extraordinário
espírito coletivo.
Prova
disso é que, numa das últimas vezes que conversei come ele, atendeu de pronto o
meu pedido para fazer uma foto de macacão no meio dos operários de Ipatinga.
Mesmo como homem de negócios, responsável por aquela que foi a maior companhia
de Minas, com faturamento acima de US$ 5 bilhões, Rinaldo nunca tirou o pé da
aciaria. Fiel cumpridor de metas, dizia que o chefe precisa exibir o ritmo que
espera da corporação.
Engenheiro
de Minas e Metalurgia na Escola de Minas de Ouro Preto, turma de 1963, doutor
em Metalurgia pela Universidade de Paris, Rinaldo parecia não se importar em
acumular tanta responsabilidade, mesmo quando se aposentou. Muito disso está
descrito na bela biografia escrita pelo jornalista Paulo Paiva. O biografado
ainda ousaria estudar e até propor modelos corporativos nas quais a dignidade
humana e o bem-estar geral seriam os principais alvos.
Fiquei
extremamente surpreso quando soube da morte de Rinaldo, em abril de 2011, aos
72 anos, em decorrência de um câncer no rim. O homem que ingressou na
siderúrgica em 1971 e a deixou em 2008, após 18 anos no comando, parecia ter a
mesma força das vigas metálicas que despachava. Mantinha uma vida ativa também
fora do trabalho, praticando corrida, jogando tênis e até disputando peladas
com amigos. Sempre cuidou da saúde mental e corporal, reservando espaço na
agenda para meditar e tomar vitaminas.
O mais japonês dos mineiros conseguiu
provar na prática a improvável conexão entre o estado e o Japão, sugerida pelo
trabalho em silêncio, pelo apego às tradições, pelo comedimento e até pela
bandeira branca com figura geométrica vermelha no centro. O legado do samurai
do aço permanecerá no Grupo Usiminas e nas comunidades em torno dela, onde o
crisântemo japonês brotou vistoso, levando paz e prosperidade. Muito
obrigado! Dômo arigatô gozaimasu!
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