Pasta Joia Review - 16
O pó da borboleta
Minas
é mesmo um estado de espírito. O seu povo tão autêntico adotou e adaptou
influências várias ao longo de séculos, que resultaram em superstições passadas
de geração após geração. Lembro-me de ter sido governado por algumas crendices
populares bem curiosas nos meus tempos de menino. Ouvi, por exemplo, a
recomendação de não deixar roupa pelo avesso para não causar “atrasos à vida”.
Era também aconselhado a não deixar sapato virado para baixo.
No
campo espiritual, as regrinhas e preceitos informais engrossavam uma lista
ainda maior e com uma tônica mais severa. Foram muitas as vezes, confesso, em
que meu joelho dobrou para pedir proteção contra mau olhado, sonho ruim e
malogros repentinos. Minha família também recorreu a benzedeiras e a simpatias
para nos livrar de más vibrações. Medos eram vencidos com crucifixo no peito ou
um simples gesto do sinal da cruz.
Outras
ilusões cultivadas naqueles anos 1970 e 1980 partiram de meias verdades e, se
estivermos distraídos, insistirão em nos deixar com um pé atrás, em pleno
século 21. Mitos, como o da congestão certa se alguém se atrever a comer manga
bebendo leite, ainda nos colocam pulgas atrás da orelha. Orelha esta que, se
estiver vermelha ou quente, sugere estar alguém falando da gente pelas costas.
Como
parte de nosso folclore pessoal, admito também não passar debaixo de escada e
não entregar um saleiro diretamente a quem me pediu ele. Evito, sim, nadar após
o almoço e tenho impulso em colocar uma vassoura na posição invertida atrás da
porta para repelir um visitante indesejado. Toc, toc, toc! Bato três vezes na
madeira para espantar o azar insinuado pelos lábios do interlocutor. E sinto
sorte quando percebo uma coceirinha na mão.
Aparentemente,
esses comandos programados na mente ao longo da infância e adolescência não
podem mais ser deletados. Assim ocorre com gente espalhada por vários lugares
do mundo, onde também quebrar espelho dá sete anos de infortúnio e encontrar um
trevo de quatro folhas traz felicidade material. A resiliência de tradições
remanesce na contemporaneidade digital e não faltam provas cotidianas disso.
Nossos filhos ainda trazem muito de
nossas crenças. Outro dia ouvi uma criança gritar de pavor quando uma borboleta
pousou no seu peito, temendo ficar cega pelo pó da asa dela. Nos meus tempos de
calça curta, coçar o olho depois de pegar nesse inseto era condenar-se à
cegueira. É, seu moço, sua moça. Viver é perigoso, bem disse o duplamente
imortal Guimarães Rosa. Por isso peço à estrelinha cadente para nunca ficar sem
três coisas: paz, saúde e coragem. Amém!
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