Pasta Joia Review - 21
Sabores vespertinos
Lá no miolo de Minas o povo cultivava uma cerimônia alternativa à do
britânico chá das cinco. Uma hora mais cedo servíamos a chamada merenda na
principal mesa da casa. Nas tardes quentes e fagueiras daqueles anos 70 e 80 a
mãe (ou a empregada) convocava a meninada para comparecer ao desjejum
vespertino. A gente vinha correndo para comer pãozinho francês, pão e biscoito
de queijo, pão sovado, bolo de fubá, queijo branco, requeijão e geleia de
mocotó.
Para completar a farta mesa à nossa espera com uma toalha xadrez estavam
manteiga de sal em barra e outras delícias como bolinho de chuva e o enigmático
biscoito de amoníaco, nas suas mais variadas formas. Todas essas iguarias eram
regadas a leite de vaca tirada do saquinho e um café doce coado no pano minutos
antes. Não existe ritual mais mineiro do que essa comilança entre o almoço e o
jantar.
Aquele altar para a culinária do interior tinha xícaras de porcelana pintadas
que fumegavam e inebriavam os convidados. Tinha ainda rendinhas a cobrir
pequenos cestos de bambu, garrafas térmicas e utensílios plásticos comprados na
bacia das almas. Sabor e saberes se misturavam para alimentar o corpo e a alma,
para levar prazer ao paladar e para preservar tradições.
Quando queríamos continuar assistindo televisão, preparávamos um prato
de doces e salgados retirados da mesa da merenda e o levávamos para a sala com
um caneco na mão. Se as nossas aulas na escola eram no período da tarde, a hora
do recreio da escola também era a da merenda. A diferença estava no cardápio,
não menos saboroso e calórico, incluindo até prato de feijão tropeiro.
Nos fins de semana, o café da tarde
podia ser reforçado com os deliciosos biscoitos champanhe, conhecidos em
Portugal como palitos la reine. Eram únicos.
Cobertos por açúcar cristal e de formato retangular com extremidades
arredondadas, eles tinham cor levemente dourada e consistência suave, quase
quebradiça, nos sabores limão ou natural.
Nos meus tempos de menino, comer biscoito champanhe era um luxo. Era
algo para ser consumido em ocasiões especiais, além de servir de ingrediente
básico para finas tortas doces. Comer um pacote dessa maravilha pura, sem
refrigerante ou outra guarnição, parecia desperdício. Legal era mesmo
mergulhá-la no copo de refrigerante do lanche de domingo.
As prateleiras de matinais dos supermercados reservavam ainda outros
produtos sofisticados aos nossos olhos. O biscoitinho (queijinho) da Piraquê,
que chamávamos de ovinhos, era o tira-gosto preferido. A margarina Claybon
parecia ser feita sob medida para o biscoito água e sal (cream cracker). A
propaganda dela com a garotinha gulosa é clássica (Nhaaaac!). Fora isso, havia
as duas variedades de latas de achocolatados e uma de cereais. Está servido?
Comentários