Pasta Joia Review - 20
Adoráveis gambiarras
Os
longos períodos de inflação crônica e de barreiras à importação de artigos de
consumo impuseram o teste definitivo para nosso conhecido jogo de cintura. Nos lares
mineiros dos anos 1970 e 1980, praticávamos uma peculiar cultura de improviso,
compartilhada pelas classes de renda baixa e média. A lembrança de nossas
adoráveis e cotidianas gambiarras nos dias atuais intriga as novas gerações.
Vejamos algumas.
O primeiro
quebra-galho que me vem à mente é o da palha de aço na antena da televisão,
para melhorar a qualidade da imagem. Essa tecnologia popular funcionava porque
ampliava a recepção de sinais. Menos efetivo, mas mais curioso, era o artifício
de colocar uma placa de acrílico colorido em frente da tela do aparelho “preto
e branco” para que ele parecesse ser “em cores”. Era o tempo dos
pinguins sobre a geladeira e de outros mimos domésticos tidos agora como
incomuns.
Aceitávamos
com naturalidade uns recursos provisórios para reparar estragos, que logo
viravam definitivos. É o caso, por exemplo, do prego usado para consertar a
tira arrebentada de sandália de borracha, garantindo a ele uma boa sobrevida.
Com maior apetite ao risco, tolerávamos também descascar as duas pontas do cabo
de força de um aparelho doméstico com problema nos pinos e fazer em seguida uma
ligação direta na tomada.
Na
cozinha, encontrávamos alguns arranjos que se apresentavam como tradição. Uma
caixa de fósforos vazia recolhia palitos queimados que ganhavam uma segunda
vida, levando fogo de uma boca do fogão para outra. Tal qual boteco de esquina,
púnhamos arroz no saleiro para absorver umidade e facilitar a saída do sal
pelos orifícios. Óleo era reciclado após a fritura, sendo coado na peneira e
retornado para uma lata. Jornal ajudava a não respigar no chão.
Reservávamos
ainda uma faca de mesa com ponta arredondada para fazer as vezes de chave de
fenda quando um parafuso aparecia solto. As mais afiadas podiam servir para
apontar lápis, tal qual os atuais estiletes. Enquanto isso, as fitas cassete
eram desenroladas com uma caneta esferográfica, que parecia ter sido criada
também para essa função. Para quem não sabe, tiras magnéticas eram a forma mais
acessível para gravar e ouvir áudio naqueles anos.
Contra a instalação capenga de
chuveiro elétrico, o isolamento no banho podia ser feito calçando um par de
havaianas. Se a mangueira do box furava, um pedaço de fita isolante resolvia.
No banheiro era normal cortar o fundo da pasta de creme dental com tesoura,
para aproveitar o restinho. Lição de economia. No resto da casa calço
equilibrava móvel, arame segurava perna de óculos e prendedor de roupa vedava
embalagem aberta de alimentos. Éramos MacGyvers (veja no Google) da vida real.
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