Pasta Joia Review - 6
O gato Tibério
Na
casa de dona Germana, lá nos cafundós de Minas, havia um gato. Um gato amarelo,
cheio de preguiça para dar e mil mistérios a esconder. Tibério pertencia à
filha Lara. Ele parecia ser a criatura mais centrada do mundo, paciente com
tudo e todos e dono de um inquietante olhar fixo. Sem mexer um fio de bigode,
ele ficava horas ouvindo e fitando a dona. A menina lhe contava estórias,
sonhos da noite anterior e até alguns segredinhos. Tibério olhava ela falar,
sempre com olhos abertos e fazendo a mesma pose. Esse retrato se alterava só
num detalhe, quando, vez por outra, ele exibia a ponta da língua.
Nada
prendia mais a atenção do bichano dourado do que a tagarelice de Larinha. Fora
isso, só mesmo a chuva lá fora. Nessa hora, lá ia Tibério pra janela mais alta
da casa, no banheiro da mãe de sua dona. Ficava lá horas ouvindo o tique-tique
dos pingos batendo no vidro e dos estouros de raios – nessa hora seu pelo
arrepiava levemente. Tibério parecia não temer nem desejar a nada e a ninguém.
As gatas da vizinhança miavam alto em noites de lua cheia. Mas ele ficava
quieto, sem atender aos apelos, apenas espiando o movimento de rabos sobre
muros e telhados. Namorava à distância, sem algazarra.
Gato
de Larinha desde filhote, ele gostava de dormir com a barriga pra cima,
afundado no canto do sofá. O raio do sol atravessava a sala e deitava sobre seu
pelo, deixando-o reluzente. Tibério não queria nada além de carinho, das duas
tigelinhas (ração & água) ao lado da geladeira e da esperança de ali viver
tranquilamente as suas sete vidas, até ser chamado ao paraíso dos gatos. Mas
será que ele já não se sentia lá? Até o passarinho da gaiola e o peixinho do
aquário pareciam ser solenemente ignorados. Será que Tibério lhe soava nome de
ancião, o que o desanimaria a pular, a escalar e a pôr as garras na água?
As
obrigações do felino fleumático se resumiam a se limpar com lambidas ou por
meio das patas… lambidas. Não era dado sequer a miaus, a caçar bichos menores e
a colocar o focinho onde não era chamado. Seu rabo comprido subia até a cabeça
quando lhe davam leite no pires ou quando roçavam sua nuca. Depois desses
momentos, olhava para trás com seus olhos penetrantes. Só faltava soltar um
comentário blasé ao estilo de Garfield ou do Gato de Botas. Não me lembro de
alguém testar se ele conseguia pousar com as quatro patas no chão quando solto
dos braços de quem o levava. Mais um mistério.
Nas
horas vagas (não seriam todas?), Tibério gostava de brincar com sua bolinha de
plástico estampada com estrelinhas e com guizos dentro. De manhã bem cedo dava
para ouvir o vai-e-vem do brinquedo debaixo da cama de Larinha. A segunda
distração preferida era ficar estapeando a almofada magrinha no encosto da
cadeira de bambu na varanda. Algo mais de lúdico? Bem, uma vez o animal de
estimação da família fora visto brincando de esconde-esconde com uma borboleta
no jardim. Novelos de lã e televisão ligada nunca provocaram reações daquele
que se movia sem fazer qualquer barulho.
A
biografia monótona desse gato teve apenas uma guinada: a derradeira. Larinha
viajou com os pais e não pôde levá-lo dessa vez. Teve de deixar ele com as duas
irmãs. Quando a menina voltou, uma semana depois, Tibério não estava mais lá.
As irmãs o expulsaram? Ele simplesmente fugiu por se sentir abandonado?
Resolveu sair em busca de sua dona? As perguntas sem resposta fizeram Larinha
chorar e chorar por vários dias e noites. Ela não parava de perguntar o que
tinha ocorrido com o bicho de sua mais elevada estima.
Até hoje, 40 anos depois, Lara tem a
sensação de que o seu velho companheiro peludo e caladão está espreitando a sua
conversa, pelo lado de fora da casa. Acompanhada de Tebas, uma gata siamesa,
bem diferente de Tibério, ela chega até a enxergar a figura dele parada sobre
muros e telhados. Tais aparições a deixam de pelo levemente arrepiado. Tebas
ganhou de Lara esse nome de cidade egípcia inspirada no gatinho de infância.
Lara, que já foi Larinha e hoje tem filhos adolescentes, quis homenagear um
certo (ou será errado?) gato amarelo, cheio de preguiça para dar e mil mistérios
a esconder.
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