Pasta Joia Review - 26
Pretinhos básicos
Há coisas
que se consagram pela eficiência, pela simplicidade e pela praticidade no uso
cotidiano. Quase sempre na cor preta, certos objetos presentes no passado de
quem passou dos 40 se eternizaram nos corações e parecem pedir para voltar a
fazer parte da vida dos seus donos. O exemplo mais clássico é, para as
mulheres, o tal tubinho preto, aquele vestidinho coringa que derruba a dúvida
cruel diante do espelho, instantes antes de sair para o compromisso noturno.
Outro
exemplo, agora para os homens, era o sapato preto 752 da Vulcabrás. Era o
pretinho básico de todos nossos pés de garotos que estudavam no Colégio Padre
Curvelo e, anos depois, no começo de nossas carreiras profissionais. Esse e
seus equivalentes eram o calçado oficial para cerimônias. E para deixá-los
bonitos e apropriados, graxa neles! Tinham de estar sempre limpos e brilhando.
Podíamos
até levá-los ao engraxate, geralmente associado ao barbeiro, mas também
tínhamos nosso próprio kit essencial formado por uma ou duas escovas de cerdas
diferente e uma latinha de Nugget preta. Se fosse o caso, também tinha uma só
para lustro, além da marrom para aplicar no couro desta cor. Tinha também
aquele paninho para completar o serviço doméstico. Nossos primeiros ternos eram
de um azul-marinho escuro quase preto. Tempos diferentes dos atuais, quando as
coisas não são feitas para durar e brilhar.
Na
sala de nossos lares também reinava outro pretinho básico, só que mais
majestoso e pesadão. Era o telefone, uma coisa de outro mundo, bem diferente da
banalidade das comunicações digitais de hoje. O peso e a sobriedade do único
modelo de aparelho de telefonia fixa intrigam as novas gerações e se impõe nas
coleções vintage. Aquela coisona preta estava presente em poucas casas e
atendida por um grupo menor de dígitos. Na minha casa era só os atuais quatro
números finais, depois ganhando o prefixo local 721, depois 371, no caso
curvelano. Fazia um barulhão na chamada e precisava ser limpo como um objeto de
decoração. Era o tempo de discar para alguém e não ligar ou telefonar.
Poucos
sabem hoje o que é colocar o dedo no disco do aparelho e ir selecionando a
sequência entre zero e nove. No começo, ligações DDD precisavam de ajuda de
telefonista. Na esquina de minha casa tinha também um posto telefônico, algo
inimaginável hoje. A agência da companhia telefônica estatal, a Telemig, tinha
umas cabines para onde íamos esperar a telefonista fazer a conexão e transferir
para o aparelho lá. Em BH, íamos até a sede da companhia, na rua Rio de
Janeiro, próximo da Praça Sete, para fazer o ritual de chamar para a família no
interior. Ficha de orelhão não durava nada, ficava caindo à cada frase.
O começo da telefonia celular também
foi marcado pelos pretinhos básicos. Nossos primeiros celulares nos anos 1990,
aqueles tijolões analógicos que carregávamos na cintura com uma capa de couro
atada ao cinto, eram quase sempre pretos. A opção única era quase sempre cinza.
Lembro de ter deixado a bateria de meu primeiro aparelho carregando mais de 24
horas para acionar pela primeira vez. É legal lembrar também que os filmes de
ficção científica dos anos 1970 e 1980 dormiram nesse ponto. Viam o mundo
futuro, do século 21 em diante, sem a presença de celulares. Como estavam
errados. Esse pretão básico deu muitos filhos.
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