O inverno de Dilma

Sílvio Ribas "A temperatura da economia entra no campo negativo e confirma a intensidade do vento frio vindo da indústria, do comércio e, sobretudo, da China" Após dois anos e meio de um tenebroso outono, o inverno chegou ao Produto Interno Bruto (PIB). É o Banco Central (BC) quem avisa que a temperatura de maio da atividade econômica, medida pelo seu indicador IBC-Br, ficou negativa em 1,4% ante abril. Essa contração — a maior
desde dezembro de 2008, quando o mundo todo era arrastado pela crise financeira — confirma outros indícios de esfriamento generalizado dos negócios nacionais com bens e serviços e dá aos analistas uma ideia mais clara do cenário final de 2013. Tecnicamente, para se falar em recessão — a pior notícia que a presidente Dilma Rousseff poderia ouvir nesta altura do campeonato pré-eleitoral — a economia precisaria andar para trás três meses seguidos. Muitos já não acreditam num crescimento mais perto de 3% no ano e vêem 2% como tempo. Há até quem fale num terceiro semestre de retração, carregando dificuldades para o PIB de 2014, que conta com os estímulos excepcionais da Copa do Mundo e das eleições para presidente, governador e Congresso. A reação inconstante da indústria e a perda de fôlego do varejo colocam mais incerteza no futuro próximo, quando também o cenário externo anda sacudido pela tendência de migração de capitais especulativos aplicados em mercados emergentes para os mais tradicionais e seguros, particularmente os Estados Unidos. Mas o que mais preocupa os especialistas mundo afora, em especial os brasileiros, são os dados que chegam da China. Escrevi recentemente neste espaço que estamos em plena ressaca do milagre do consumismo da Era Lula, a exemplo de outros episódios de nossa história econômica marcados pela expansão acelerada da demanda interna seguida de tempos bicudos, dominados por ajustes macroeconômicos impositivos. Ao que tudo indica, o forte tranco na atividade econômica brasileira deverá ocorrer em 2015, o primeiro ano do próximo mandato presidencial, não importa quem venha a exercê-lo. Sem isso, a credibilidade fiscal do país seguirá ameaçada e seu resgate ficaria ainda mais caro. O rigor do inverno da economia que está começando também veio amparado numa persistente inflação, que vai exigir mais aperto monetário para recolocar os índices gerais de preços nos trilhos. Pelo menos a carestia poderia ter sido evitada pela atual gestão, se ela não fosse tão tolerante com as baforadas do dragão. Os alertas dados pelo mercado, por importantes economistas e pelo próprio BC foram insuficientes para Dilma entender que, sem estabilidade monetária consolidada, não há crescimento sustentável. Vacas arrochadas Quando falta senso do governante diante da necessidade de fazer uma racional transição entre um fim de estação de clima ameno e de vacas gordas para outra inóspita e de vacas magras, a tentação de sacarmos a história da formiga e da cigarra é grande. Mas me parece mesmo a melhor a ser evocada agora para explicar a insistência do Brasil em perder oportunidades que impedi-lo a ter de correr atrás de prejuízos de tempos em tempos. A palavra arrocho não é mais tão fácil de ser encontrada nas manchetes quanto era até o começo dos anos 1990. Temo que uma reação tardia à excessiva dependência dos superavits comerciais com a China e da explosão de consumo interno não será suficiente para impedir apertos nos cintos de Estado e cidadãos. Isso porque a poupança doméstica sofreu perdas expressivas e as transações correntes com o exterior minguaram perigosamente, apesar das vantagens proporcionadas pelas cotações internacionais de matérias-primas nas alturas. Em outra analogia alternativa à da formiga e da cigarra, digamos que o governo não aproveitou os anos de sol para consertar o telhado e agora, em dias de tempestade, apressa-se em espalhar insuficientes baldes pela casa. As reações desesperadas devem ficar mais claras após cada pesquisa de opinião que for divulgada sobre a aprovação popular ao governo, afetada também pelas manifestações de rua, cobrando mais transparência, ética e eficiência estatal. O ideal seria a presidente tentar esquecer o papel de candidata à reeleição por seis meses para assumir o papel exclusivo de chefe do Executivo. Exemplo de Detroit Uma imagem que gosto de recorrer para mostrar como alguém investido de poder deve reagir a um cenário de decadência de indicadores e expectativas é a dos líderes das montadoras do ABC paulista no fim dos anos 1990, sobretudo da Volkswagen. Herbert Demel, então presidente da montadora alemã no Brasil, assumiu todos os riscos sem recuar um milímetro no seu propósito de reestruturar em tempo recorde a unidade Anchieta, em São Bernardo do Campo, criada em 1956. Investiu R$ 1,6 bilhão em mudanças "de dentro para fora" que garantiram produtividade e lucro à marca até hoje. "Era mais fácil começar uma fábrica do zero do que ter de reformar uma em pleno funcionamento", dizia o executivo austríaco de olhos esbugalhados e desconcertante franqueza. Contra os que resistiam a otimizar processos e mudar o perfil do pessoal empregado, ele soltava a frase: "Vocês não estão dando o real valor ao vento frio de Detroit que está chegando ao ABC". Coração da indústria automotiva norte-americana, Detroit foi sendo sucateada, em tempos de feroz concorrência para japoneses e europeus. Infraestrutura ruim, relações trabalhistas hostis e fábricas obsoletas estavam matando montadoras. Lá e aqui, os velhos polos automotivos sobreviveram graças à coragem de se renovar. Para impedir que a economia brasileira afunde mais e se estabilize até o ponto que possa empinar novamente, também exigirá ousadia e coragem, seguindo cartilhas conhecidas. Ajuste fiscal, calibragem nos juros e, o mais importante, previsibilidade nas ações. A perspectiva de redução do estímulo monetário pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), as dificuldades na China e os preços de commodities balançando vão exigir alerta máximo das autoridades econômicas. O melhor é assumir de vez a mudança de estação e trabalhar para que ela dure o menor tempo possível. Fonte: Correio Braziliense de hoje

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