A pioneira TV Itacolomi

Televisão à mineira

A festa dos 50 anos da TV no Estado joga luz sobre textos que retratam essa história, tira da gaveta outros projetos e ainda encoraja iniciativas

Sílvio Ribas

No Brasil, a televisão ganhou importância surpreendente. Com sua exagerada influência, ela informa, distrai, educa e ainda dita costumes a milhões de pessoas de todas classes sociais. A história dessa intimidade entre o brasileiro e a telinha começou em 1950 com o jornalista Francisco Assis Chateaubriand, fato esse bem registrado em livros e documentários em vídeo. Mas o que poucos sabem é que foi em Minas que o novo meio de comunicação trazido pelo velho capitão dos Diários e Emissoras Associados deu importantes passos para se consolidar como arte, técnica e fenômeno social.

"Não existe hoje, fora a bomba atômica, reação maior na sensibilidade de um meio coletivo do que a televisão", dizia Chatô em artigo de O Jornal (10 de novembro de 1955) sobre a chegada da TV a Minas. Ele chamava a Itacolomi (então com y) de a terceira estação, por ser a investida seguinte às primeiras emissoras do seu grupo, as TVs Tupi de São Paulo e Rio. Em dez anos, os aparelhos de televisão no País saíram de pouco mais de uma centena para 1,8 milhão, com 20 emissoras. Os contornos heróicos dessa trajetória em território mineiro continuaram, contudo, pouco ou nada conhecidos – inclusive de acadêmicos especializados no tema. Isso torna ainda mais valiosas as raras referências bibliográficas e atrai investidas.

A primeira emissora do Estado, a TV Itacolomi, alcançou um sucesso não superado até hoje com talento artístico, ousadia na programação e inovações na técnica. O cinqüentenário que está sendo comemorado pelos Associados Minas com um calendário especial de ações até o fim do ano é período favorável para relembrar episódios e lançar novos desafios. Os registros da chegada da televisão a Minas só começaram a ser compilados com uma monografia do curso de Jornalismo da PUC-Minas: A Produção Cultural da TV Itacolomi (1991), sem publicação, 11 anos após o fechamento da emissora.

Com 27 depoimentos de atores, jornalistas, apresentadores, técnicos e executivos, o trabalho acadêmico deu o ponta-pé para as próximas investigações. Naquela época, o escritor Fernando Morais estava concluindo seu best-seller Chatô – Rei do Brasil. Ele teve acesso ao material acadêmico, mas preferiu manter o texto-base intacto por não ter mais prazo diante de sucessivos adiamentos. Os museus de imagens e sons de Rio e São Paulo também foram notificados.

Antes dessa tese elaborada por cinco alunos, o texto original com notas pessoais do ex-superintendente José de Oliveira Vaz serviu a consultas reservadas até tornar-se, em 1995, o primeiro livro sobre a Itacolomi: Sempre na Liderança, editado pelo Estado de Minas. Vaz falecera em 1992. A publicação de seu material completou relevantes lacunas deixadas sobre televisão no Brasil, bibliografia largamente usada nas faculdades. A partir do seu livro Teatro Mineiro – Entrevistas & Críticas (1984), o jornalista e escritor Jorge Fernando dos Santos também dá sua contribuição para o resgate da história da TV em Minas com BH Em Cena, da Del Rey Editora (1995). Em 2000, a Fundação Assis Chateaubriand publica Tupi – Pioneira da Televisão Brasileira, belíssimo livro do jornalista José de Almeida Castro no qual a associada mineira é citada.



Nas bancas universitárias, os estudos fazem a sua parte. Instigado pelo ensaio TV Itacolomi: Segregação, Memória Oral e Nenhum Vídeoteipe, publicado pela revista Ordem/Desordem, da PUC-Minas em outubro de 1992, o jornalista André Lacerda decidiu prosseguir a pesquisa anterior no seu curso de Comunicação Social da UFMG. A defesa da tese sobre a produção jornalística na extinta emissora ocorreu em dezembro de 1994. O trabalho não-publicado analisa o jornalismo da Itacolomi de 1969 – ano de estréia do Jornal Nacional, da Rede Globo, primeiro em rede no País – a 1980, ano de fechamento da emissora. Lacerda recolheu informações de quem participou do telejornalismo feito em Belo Horizonte naquela época para debater diferenças entre produção local e difusão ampliada.

Além dos textos acadêmicos, existem obras inéditas que estão prontas para sair da gaveta. Uma delas é Itacolomi – Uma Crônica em Cem Fotos, livro escrito pelo técnico aposentado da Petrobras e ex-funcionário da emissora Carlos Fabiano, que aguarda patrocínio da lei federal de incentivo à cultura. Em forma de testemunho, ele apresenta uma seleção das mais de 7 mil fotos que tem com registros dos primeiros anos da TV ao vivo em Minas. O colecionador conta que já foi sondado por instituições francesas interessadas em proteger o acerto. Amostras desse trabalho podem ser vistas no site www.fabiano.pro.br. Ainda na Internet podem ser lidos comentários soltos em blogs de artistas, com incorreções.

Das estantes para os centros de memória do setor público, encontramos avanços localizados. A primeira iniciativa começou em 1996 com a pesquisa 40 Anos da TV Itacolomi, tocada pelo Centro de Referência Audiovisual da Prefeitura de Belo Horizonte (Crav). A ênfase estava no papel preponderante que a emissora pioneira teve na história da cultura e da comunicação da capital. Coordenados pelos cientistas sociais Euclides Guimarães e José Márcio Barros, professores da PUC-Minas, foi montado o projeto em homenagem aos então 41 anos do surgimento da primeira emissora de televisão do Estado.

Dezenas de horas com entrevistas gravadas resgataram parte da memória da emissora por meio de depoimentos, documentos e fotografias daqueles que ajudaram a realizar a história da TV: artistas, jornalistas, técnicos, funcionários e telespectadores. A produção do documentário 50 Anos de TV em BH: Nos Tempos da TV Itacolomi está na reta final. Dados importantes sobre a influência exercida pelo rádio e pelo teatro, bem como aspectos sobre a publicidade foram incluídos.

Como não havia videoteipe no período da teledramaturgia, imagens de filmes brasileiros estrelados por atores e atrizes da TV Itacolomi e produzidos na mesma época, podem servir de ilustração ao trabalho de resgate audiovisual. Entre essas fitas estão Viagem aos Seios de Duília (1964) e O Menino e o Vento (1967), dirigidos e produzidos por Carlos Hugo Christensen. Mas a fonte primária mais consistente continua sendo o centro de documentação dos Associados Minas, com mais de mil gravações de comerciais e reportagens. Acervos particulares também são esperados neste ano de comemorações, assim como novos depoimentos e reportagens deverão enriquecer o universo de informações disponíveis sobre o tema.

Todos esses documentos não deixam dúvida: BH reinventou a televisão, conforme os demais artigos deste caderno. O já histórico e mineiro 21 de abril foi o dia da primeira transmissão televisiva em Minas. Naquela tarde de 1955, uma câmera RCA TK 31 focalizou e gerou em circuito fechado a imagem do relógio da Igreja São José, centro da capital. Registrava 2h55. Pouco mais de dois meses depois, em 25 de junho, os lares e estabelecimentos comerciais da capital mineira finalmente teriam seu contato inaugural com um aparelho que tinha chegado ao País há então cinco anos: o televisor. A imagem gerada como teste pelo canal 4 era uma grade de 13 linhas horizontais e 17 verticais, acompanhava da fala gravada pelo radialista Roberto Márcio.

Finalmente, no dia 8 de novembro, a inauguração da Itacolomi. A emissora representou o início de uma saga, repleta de conquistas, até o seu fechamento, em 1980. Do alto do Edifício Acaiaca, a torre da Itacolomi transmitia desde clássicos do teatro e do balé, no mais nobre dos horários, até animadas tardes de competições estudantis. No passado e na memória de muitos ficaram sucessos com a Escolinha da Dona Peteca, inspiradora de outro famoso programa humorístico, as peças do Grande Teatro Lourdes, que revelaram tantos talentos, e o conhecimento de Seu Saber É Pra Valer e Universidade Popular da Manhã (UPM), primeiro telecurso da televisão brasileira. Foi uma programação de elevado nível cultural e que mobilizou a gente de todo o Estado, a exemplo do Mineiros Frente a Frente.

Mesmo desconhecida por estudiosos do assunto, a primeira emissora de TV dos mineiros fez uma televisão com personalidade, que serviu de escola para o insipiente gênero. Os reencontros da Família Itacolomi organizados por Antonimar Carias eram a reunião de talentos como Léa Delba, Wilma Henriques, Helvécio Guimarães, Ricardo Luiz (o famoso capeta da Garrafa do Diabo), Ari Fontenelle, o “bombeiro” Ubaldino Guimarães (Papai Noel oficial da cidade por mais de três décadas anos), o dentista Thalles Penna, Ari Fontenele (ex-Comandante da Panair), entre outros. Reminiscências de uma emissora que revelou ainda nomes como Lady Francisco e Clara Nunes, e por onde passaram estrelas como Jorge Dória, Eva Todor, Rubens de Falco e Millõr Fernandes.

A saga dos 50 anos da TV no Estado começou com a Itacolomi e continua na Alterosa, emissora também genuinamente mineira. José de Oliveira Vaz revelou pouco antes de morrer que chegou a pensar em trocar o nome da Alterosa por Itacolomi, como forma de ressuscitar a emissora. Ambas, porém, estão presentes na história dos telespectadores do Estado, mantendo a mais longa relação com o público estadual. No traumático 18 de julho de 1980, minutos antes do meio-dia, engenheiros do Departamento Nacional de Telecomunicações (Dentel), foram ao Palácio do Rádio para retirar o cristal do transmissor e lacraram a antena retransmissora. Morria com a Rede Tupi uma página da televisão brasileira em quase 30 anos. Mas essa história não saiu do ar.

A TV Alterosa foi criada em 1962 e dois anos mais tarde foi incluída nos Diários Associados. Faz parte do Sistema Estaminas de Comunicação, grupo de comunicação mais forte de Minas, do qual fazem parte também os jornais Estado de Minas e Diário da Tarde, a rádio Guarani FM, o Teatro Alterosa e a produtora de comerciais Alterosa Cinevídeo. A partir de 1980, a Alterosa passou a ser a afiliada do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Em 1996, além de instalar um sistema digital de transmissão, ela passou a enviar seu sinal até o satélite Brasilsat B1 e, a partir daí, para qualquer município mineiro. A emissora incentiva os valores locais e acredita na importância das manifestações comunitárias.

Quando a TV se aproxima de novas revoluções na sua trajetória, a exemplo do videoteipe e da cor, com a era digital, interativa e separada do conhecido aparelho, é preciso elevar o debate e fazer da coragem dos pioneiros uma inspiração.

(Publicado no Caderno Pensar – Estado de Minas, 2005)

PS.: Fui autor junto com outros colegas do primeiro trabalho de pesquisa sobre a TV Itacolomi ("A Produção Cultural da TV Itacolomi") e que se encontra no Laboratório de Projetos Experimentais da PUC Minas. Em 1990, escrevi o artigo "TV Itacolomi: segregação, memória oral e nenhum vídeo-teipe" para a revista "Ordem & Desordem" (N° 10/Out.92), também da PUC, e participei do programa "Entrevista", da TV Minas (04/02/93), quando, junto com o ator Antonio Naddeo, falei sobre o problema da destruição da memória da TV Itacolomi. Depois disso, continuei escrevendo sobre o tema.

Comentários

Unknown disse…
Sou um dos que conheceram a televisão pela Itacolomi. É parte inseparável da minha infância. Apesar do preto e branco, o Canal 4 coloriu a minha infância e começo da adolescência. Tempo que Minas era Minas, geradora de cultura autônoma.
Unknown disse…
Meu nome: Hytagiba Carneiro
No topo dos meus 88 anos, sou um dos remanescentes da época em que a televisão aportou por essas paragens mineiras. Como jornalista ator, tive a honra de participar de um comercial, produzido pela TV Alterosa, "Mil localidades", contracenando com um dos integranes do grupo de Guimarães Rosa, Manuelzão. Participei de alguns filmes cujos atores eram da época da ex-tinta TV Itacolomi,Otavio Cardoso, Lazaro Araújo, Hely Antônio, dentre outros. Com o histórico aqui narrdo, podemos nos orgulhar, de que a televisão brasileira nascem em Minas Geraes.
Unknown disse…
Fico decepcionado pois meu pai Roberto Márcio foi a primeira voz da Itacolomy assim como foi o primeiro a aparecer na transmissão a cores mas mesmo assim é muito pouco valorizado e lembrado.
Além do mais todos os radialistas tem ruas com seus nomes menos o meu pai . Obrigada.
Marcia Ferreira
Unknown disse…
Fico decepcionada pois meu pai foi a primeira voz da Itacolomi e também fez a primeira apresentação a cores. Teve quadros no programa Universidade Popular da Manhã onde visitava as cidades e descrevia suas curiosidades.
Ele é muito pouco lembrado. Além disso todos os radialistas tem nome de rua menos ele.
Marcia Ferreira