Guerra fiscal


Sílvio Ribas

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) é uma das maiores inimigas da guerra fiscal entre estados e uma das principais defensoras da reforma tributária, como forma de sepultar a farra dos incentivos dados por governadores a empresas nacionais e estrangeiras. A entidade foi uma das primeiras a aplaudir a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em junho de 2011, que considerou inconstitucional todas as renúncias com Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para atrair projetos novos ou transferir alguns já estabelecidos em outros estados.

Apesar da postura firme e amplamente conhecida, duas de suas 27 associadas lutam com grande fervor pela preservação, pelo menos parcial, de seus programas estaduais de desenvolvimento baseados em renúncias bilionárias de arrecadação com ICMS. Temerosas do desdobramento de ações no STF, muitas movidas pela própria CNI, os líderes das federações das indústrias de Goiás (Fieg) e do Espírito Santo (Findes) alertam que o fim dos mecanismos desempregaria milhares em seus estados e desarticularia cadeias produtivas inteiras.

Robson Braga de Andrade, presidente da CNI, reafirma a postura da entidade em favor da reforma do ICMS, a mesma proposta pelo governo, mas reconhece que as posições divergentes da Fieg e, sobretudo, da Findes “precisam ser avaliadas com respeito”. “São programas estruturados há décadas e que têm peso decisivo na economia regional”, ponderou. Apesar dessa manifestação, as federações “rebeldes” se mantêm em guarda. “Estamos fazendo um trabalho intenso para convencer parlamentares de todos estados e as diretorias das demais federações de que nossos incentivos ajudam o país”, disse Pedro Alves de Oliveira, presidente da Fieg.

A entidade encomendou à Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) estudo para quantificar o efeito positivo das benesses com ICMS em diferentes estados, sobretudo como fator de interiorização do desenvolvimento. Noutra frente, em parceria com o governo goiano, pressiona o Congresso para mudar o estatuto do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) de modo a flexibilizar a cláusula que exige unanimidade nas suas decisões. Formado pelos secretários estaduais de Fazenda, o Confaz é o órgão responsável por autorizar estímulos regionais via redução do imposto. Oliveira espera que o Senado discuta a proposta de reduzir o quórum para três quintos logo após o fim do recesso parlamentar, em 15 de fevereiro.

Marcos Guerra, presidente da Findes, também intensifica contatos com políticos, empresários e ministros da área econômica para defender “o mais antigo plano de fomento industrial no país”. Criado em 1970, o Fundo para o Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap), com benefícios fiscais para importadores instalados no estado, contempla 78 municípios capixabas e representou renúncia fiscal de R$ 3,8 bilhões no ano passado. “Acabar com o programa levaria a demissão de 40 mil empregados, com salários médios de R$ 2 mil”, sublinhou.

O maior receio da entidade capixaba está numa eventual aprovação do Projeto de Resolução 72/2010, do senador Romero Jucá (PMDB-RR), que uniformiza o ICMS nas importações. Para negociar, Guerra admite revisar a longa lista de importados favorecidos, excluindo dela setores mais sensíveis a importados, como têxteis e calçados. Tanto Guerra quanto Oliveira apontam o governo paulista como maior rival dos incentivos.

O estado mais industrializado do país tem até cobrado valores sonegados na origem e contestado na Justiça a concorrência desleal de produtos, sobretudo importados. Enquanto a reforma tributária não anda, parada justamente pela discórdia entre governadores sobre a formatação do ICMS, a tendência é mesmo de os embates continuarem chegando à Justiça. “O Congresso precisa resolver pendências antes que o STF decida”, alerta Oliveira, da Fieg.As federações de Goiás e Espírito Santo esperam também que o Congresso valide os atuais programas de incentivo para evitar efeitos retroativos da decisão do STF, que considerou ilegais todas as decisões em desacordo com o Confaz.

Fernando Blumenschein, economista da FGV-SP e coordenador da pesquisa encomendada pela Fieg, afirma que os projetos industriais viabilizados por incentivos fiscais estaduais acabaram, ao final, engordando o Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas produzidas no país) e os números do Brasil relativos ao emprego, à renda e à arrecadação tributária. Goiás, por exemplo, conseguiu nos últimos anos implantar cadeias de laticínios, farmacêuticas e, por fim, automotivo.

A partir da análise de 12 projetos industriais em operação ou em implantação, distribuídos em sete estados mais o Distrito Federal e agraciados com incentivos fiscais, a FGV-SP calcula um adicional de R$ 35,8 bilhões ao PIB e a abertura de 800 mil postos de trabalho. “Isso representa 1,2% da economia brasileira e 2% da arrecadação nacional de impostos”, ressaltou. A suspensão dos incentivos, acrescenta ele, desarticularia cadeias produtivas, reduziria o consumo e a base tributária locais.

EDITORIAL DO ESTADÃO

Aliança pelo País
O Estado de S. Paulo - 27/02/2012

É natural que, na aliança atualmente em articulação entre dirigentes empresariais e lideranças sindicais contra os incentivos fiscais excessivos concedidos por alguns Estados a produtos importados através de seus portos, cada parte defenda seus interesses. Mas, desta vez, ao contrário do que ocorreu com frequência no passado - quando a aliança de representantes do capital e do trabalho tinha como finalidade não declarada a imposição de ônus aos demais setores da economia e da sociedade -, o entendimento visa a combater uma prática danosa não apenas a cada uma das partes, mas ao País.

Dirigentes empresariais discutem há tempos meios para impedir que os incentivos fiscais concedidos por 12 governos estaduais para produtos importados através de portos localizados em seus Estados continuem a prejudicar a produção local, que é tributada integralmente. A entrada maciça no País de determinados produtos, cuja importação foi estimulada por esses incentivos predatórios, prejudica também o emprego do trabalhador brasileiro - daí a participação das centrais e outras organizações sindicais no movimento contra o que ficou conhecido como "guerra fiscal dos portos".

O movimento pretende lançar nos próximos dias um documento no qual exporá os danos que esses incentivos causam ao sistema produtivo e seu impacto sobre o emprego industrial e o PIB. Seu mote é "A guerra fiscal dos portos destrói empregos nos Brasil".

Do lado empresarial, participam das articulações a principal representante da indústria, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), e diversas associações empresariais de setores prejudicados (aço, alumínio, têxtil, alimentos, calçados, química e petroquímica, eletrônicos, máquinas e equipamentos, brinquedos, entre outros).

As duas principais centrais sindicais, a CUT e a Força Sindical, participam das discussões, ao lado de confederações de trabalhadores, cujo mercado de trabalho está sendo mais afetado pelas importações estimuladas pela guerra fiscal dos portos. Também a União Geral de Trabalhadores deverá assinar o documento.

Há muito tempo os Estados concedem incentivos para atrair empresas. A guerra fiscal dos portos, no entanto, tem uma característica muito diferente da dos antigos incentivos, e é muito mais nociva para os Estados que não a praticam e para o País.

Para estimular a movimentação de produtos pelos portos de seus Estados e beneficiar exclusivamente empresas neles instaladas, alguns governos concedem forte isenção do ICMS, o principal tributo estadual, sobre o produto importado. Este é taxado com 3%, enquanto a alíquota incidente sobre o similar produzido no País continua sendo de 12%. Desse modo, o produtor nacional fica em condições ainda piores de concorrer com o produtor externo, pois já incorre em outras dificuldades que oneram seus custos e reduzem sua competitividade, como a valorização do real em relação ao dólar, a infraestrutura deficiente, os juros altos, os custos trabalhistas e os custos tributários.

O uso intenso de incentivos às importações por alguns Estados - os produtores brasileiros apontam os governos de Santa Catarina, Espírito Santo e Ceará como os mais agressivos no emprego dessas medidas - fez crescer rapidamente a fatia de certos produtos importados na composição do mercado doméstico. O Instituto Aço Brasil calcula que o produto importado represente atualmente cerca de 20% do consumo nacional de produtos siderúrgicos, bem mais do que a média histórica de 4% a 6%.

No ano passado, o STF declarou a inconstitucionalidade de diversas regras estaduais que configuravam a guerra fiscal, por não terem sido aprovadas pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne todos os secretários da Fazenda. As medidas dos promotores da guerra fiscal dos portos também não foram aprovadas pelo Confaz, mas sua constitucionalidade ainda não foi julgada pelo STF. Até lá, se não forem derrubadas pela pressão dos prejudicados, continuarão a causar danos ao País.

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