Artigo na revista Pequi 2


Dinheiro que dá em árvores

Vilão para uns e herói para muitos, o eucalipto amplia negócios com o aquecimento global

Sílvio Ribas*

Uma das primeiras imagens da estrada que chama à atenção antes de chegar a Curvelo, vindo de Belo Horizonte, é a de maciços florestais. Eles estão lá há três décadas, são importante fonte de renda e emprego para milhares de mineiros e tornaram-se parte da economia rural. No início, o maior estímulo vinha do apetite por carvão vegetal para acionar dezenas de usinas de ferro-gusa do Estado e algumas multinacionais do aço, como a Mannesmann (Valourec). Depois, contudo, o eucalipto na região central do Estado consolidou, com sua excepcional produtividade, uma ampla lista de produtos.

Fonte segura de madeira, que pode se tornar celulose, móveis, óleos e até ajudar na criação de abelhas, as florestas cultivadas ganharam usos ainda mais sofisticados. O setor é também um dos que mais cresce no País, faturando US$ 28 bilhões anuais, puxado pela crescente demanda mundial. Sob os ameaçadores efeitos do aquecimento global, o plantio sustentável de florestas em solos ácidos como os de Curvelo, em ciclos reduzidos de maturação, tornou-se negócio promissor. Ancorado no seqüestro de carbono da atmosfera, maior vilão dos tempos atuais, o eucalipto agora também vende ar puro ao planeta.

Mas até chegar aqui, a árvore de origem australiana vem sendo alvo de todo tipo de acusação, desde as de ecologistas sérios até as de meros especuladores ou concorrentes da sua indústria florestal, incomodados com a vantagem excepcional do gênero eucaliptus. Persistem as críticas sobre o suposto consumo exagerado de água e de nutrientes orgânicos. Há ainda ruidosa chiadeira com as implicações das florestas artificiais na biodiversidade local e nas condições de trabalho da mão-de-obra.

Segundo Antônio Carpanezzi, pesquisador da Embrapa Florestas, o conceito de ambiente, em seu sentido pleno, compreende interação entre fatores naturais como solo, clima, flora, fauna e microrganismos. “Em locais onde antes havia florestas naturais, árvores exóticas podem, do ponto-de-vista técnico, ser empregadas excepcionalmente quando satisfaçam a maioria de certos requisitos”, diz. Esses pontos a serem observados são: melhora do solo (leguminosas), abrigo ou passagem de animais, vida curta (até 15 anos), não concorrência agressiva com outras espécies de árvores e, por fim, não deixem descendentes.

Este conjunto multiplica por três as chances da monocultura ficar bem na foto para a sociedade e ainda satisfazer o bolso dos investidores. A engenharia genética e o manejo criterioso também conseguem, por seu turno, manter a floresta artificial de pé por várias gerações de plantios com argumentos científicos para encarar a pecha de “deserto verde”. Como opção para recuperar áreas desmatadas, o eucalipto tem a desvantagem de inibir a recuperação da vegetação local de menor porte. “Isso se deve, particularmente, ao seu crescimento vigoroso, que prejudica o desenvolvimento de plantas próximas, e à sua duração de vida, maior que 100 anos”, diz Carpanezzi.

Como produzem toras grandes, o produtor tem a tentação permanente cortar suas árvores para obter madeira, processo que danifica o restante da vegetação. Um princípio adotado em todo o mundo é que a produção florestal seja praticada nas terras de menor aptidão agrícola de uma propriedade ou região. Sustentabilidade é a resposta das empresas do ramo para encerrar a discussão sobre as ameaças do eucalipto no meio ambiente, apresentando essa monocultura como aliada e não inimiga do meio ambiente. Graças a cuidados e avanços técnicos do cultivo florestal (silvicultura), cada eventual dano à natureza seria compensado por benefícios ao clima, à fauna e à flora.

“As florestas nativas, antes abundantes, são indispensáveis para preservar a biodiversidade e o equilíbrio ambiental. Esse retrato faz das plantações florestais negócio promissor e garantia de matérias-primas essenciais como madeira e celulose”, diz Cesar Augusto dos Reis, diretor da Associação Brasileira dos Produtores de Florestas Plantadas (Abraf). O País produz 12 milhões de toneladas de celulose, o dobro do que consome. Mas está pronto para ir mais longe. O setor florestal movimenta 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e emprega 4,6 milhões de pessoas, 4,4% da população economicamente ativa.

PECUÁRIA – Os bons números devem-se às condições climáticas do País e à tecnologia desenvolvida pelas empresas e instituições nacionais de pesquisa, como a Embrapa Florestas, com sede em Curitiba. Enquanto nos Estados Unidos o custo para produzir uma tonelada de celulose é de US$ 304, no Brasil este valor é quase a metade (US$ 157). Para o pesquisador Vanderley Porfírio da Silva, a concorrência das florestas plantadas com a pecuária vai dar lugar à cooperação. “Devido ao crescimento mundial da demanda por produtos florestais e animais, a sociedade espera que todos venham de sistemas ambientalmente corretos e compatíveis entre si”, explica.

A preocupação com a origem da madeira já está mudando suas fontes, de florestas virgens e pouco fiscalizadas para plantadas ou manejadas de forma sustentável. A estimativa é de que a produção de toras de plantações alcance 800 milhões de metros cúbicos até 2030, o dobro de hoje. Vanderley acha que a silvicultura pode engordar a renda rural se o produtor se associe a uma indústria, tenha produção em qualidade e volume, possa investir e saiba esperar pelo retorno. Os riscos são o desconhecimento da atividade ou a falta de assistência técnica adequada. “Enquanto a renda de prazo curto do gado cobre o fluxo de caixa negativo da fase de maturação do investimento florestal, este último gera sustentabilidades ambiental, econômica e social”, ilustra.

AR PURO – Éderson Zanetti, da Embrapa Florestas, acrescenta as possibilidades de lucro abertas pelo mercado de (seqüestro de) carbono, criado após a Convenção das Nações Unidas (ONU) para as Mudanças Climáticas e graças ao desdobramento conhecido por Protocolo de Kyoto (1998). Esse marco regulatório estabelece trocas comerciais entre poluidores e “limpadores” da atmosfera, que estão na casa de US$ 5 bilhões. Para participar da transação é necessário apresentar a Metodologia de Linha de Base e Monitoramento (LB/M), que detalha as formas de medir o carbono. Há 13 metodologias aprovadas e a Plantar S/A e AES Tietê são exemplos de empresas brasileiras que aprovaram LB/M. Há grande expectativa em torno de negociações para o segundo período de vigência do Protocolo de Kyoto (2012-2016), ampliando presença de projetos florestais.

As empresas florestais reconhecem que qualquer monocultura sem critérios ambientais é muito prejudicial ao meio ambiente. No caso do eucalipto, são necessários meios para integrar plantações ao meio natural, mantendo biodiversidade de áreas plantadas via seleção de solos aptos ao plantio, preservação de mananciais e matas ciliares, fixação de corredores de vegetação natural para movimentação da fauna, entre outras práticas. Nas propriedades destinadas ao cultivo do eucalipto devem ser mantidas matas nativas para compor áreas de reserva legal (mínimo de 20% da área), protegidas contra caça e pesca ilegal, corte de árvores e incêndios. Mas isso também não é suficiente para acabar com os “mitos”.

ÁGUA – Relatório da Abraf mostra que o consumo de água por plantações de eucalipto é semelhante ao apresentado por outras espécies florestais, além do déficit anual da água no solo e à dinâmica da água subterrânea. A vantagem do eucalipto está no convívio com bosques integrados, permitindo trânsito de animais e interação com outras espécies vegetais. O eucalipto também remove gás carbônico (CO2) da atmosfera, contribuindo para minimizar o efeito estufa, e protege os solos contra processos erosivos. Curiosamente, a venda de certificados de fixação de gás carbônico em plantas se soma a outras duas atividades promissoras no mundo de hoje e que têm tudo para prosperar no entorno de Curvelo: o turismo cultural e ecológico (Circuito Guimarães Rosa) e os cristais de quartzo como matéria-prima para produzir chips de computador. Por que temer o progresso?

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