Artigo na revista Pequi 4


O lucro verde das frutas do cerrado

Sorveterias do Centro-Oeste chegam ao mercado internacional e provam que preservar a savana brasileira pode ser também um saboroso negócio

Sílvio Ribas*

Os sabores de dezenas de frutas nativas deveriam fazer parte da vida de milhões de brasileiros que vivem no cerrado. Contudo, em pleno século 21, este cardápio – um dos mais ricos em nutrientes e vitaminas do planeta – ainda é visto como exótico no meio urbano. Esse desconhecimento generalizado daquilo que está próximo acaba limitando as possibilidades de exploração do frágil ecossistema e até mesmo favorecendo a sua devastação. Para a economia regional, tal desinformação ou preconceito de empresários e consumidores representa ainda desperdício de alimentos e indiferença com negócios lucrativos com alcance internacional.

Graças ao tino comercial e a consciência ecológica de empreendedores do Centro-Oeste, aliada à crescente demanda mundial por produtos saudáveis e ambientalmente sustentáveis, frutas da savana brasileira começaram a ter a merecida atenção. Ainda com uma exploração modesta de artigos naturais do sertão, fabricantes de picolés, sorvetes e barras de cereais se tornaram os desbravadores mais ousados de um mercado promissor. Com eles, o agroextrativismo se tornou o maior aliado da preservação do cerrado, tema que está na pauta do Congresso Nacional e se tornou prioridade de ambientalistas.

A Sorbê, de Brasília, por exemplo, oferece em suas quatro sorveterias 17 sabores nativos, produzidos artesanalmente e garantidos por uma atípica rede de coletores de matéria-prima. Pequi, gabiroba e buriti são os destaques do seu marketing ancorado na qualidade de vida. “Decidimos abrir o negócio em 2005, logo depois de perceber a demanda mundial por paladares diferenciados e itens agregados de valores ambiental, social e nutricional”, explica Rita Medeiros, uma das sócias da Sorbê.

Ela conta que os clientes gourmet ainda são os maiores incentivadores das delícias geladas do cerrado. “Recebo estrangeiros na loja, interessados em conhecer nossas frutas exóticas. Também atendo a jantares de missões diplomáticas na capital federal, como o recentemente oferecido ao presidente francês Nicolas Sarkozy”, ilustra. O caso lembra a paixão à primeira vista de François Mitterand pelo licor de pequi curvelano Cristal Brasil. Rita considera a produção e o comércio de alimentos típicos do cerrado negócios dos mais promissores. “Quem investir não vai perder”, aposta.

O caso de maior sucesso nesse ramo, todavia, é o da goianiense Frutos do Cerrado, que recentemente mudou o nome para Frutos do Brasil. A fábrica nascida em 1996 deslanchou e se tornou franquia de futuro, com pontos de venda em Goiás, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Bahia, Minas Gerais e Distrito Federal, além de atender pedidos do resto do país. A rede carrega o conceito verde desde a construção, empregando madeira certificada, até a decoração, com cestos de lixo feitos com palitos de picolé reciclados.

A segunda fábrica da Frutos, de Uberlândia (MG), surge em 2003 e, no ano seguinte, lança quiosque em shopping center. A produção se multiplicou por 20 na última década, chegando aos atuais 70 mil picolés por dia. A partir deste semestre, a marca chegará aos Estados Unidos e, depois, Espanha e Japão. Mas o alvo é mesmo o mundo. Clóvis José de Almeida, 57 anos, criador da empresa, apostou em negócios sustentáveis com o apoio do Sebrae de Goiás. Ele inovou com uma intricada logística para obter a polpa junto a pequenos produtores rurais. Do cerrado, catalogou 93 sabores peculiares para sua linha, começou com 20 e agora industrializa 55. Amora e lichia são novidades.

De origem simples, Almeida virou palestrante e tem sua história estudada. O amor pelo bioma o tornou guru do extrativismo equilibrado e defensor do cerrado em pé. Seus sorvetes e picolés explicitamente orgânicos têm como principal ingrediente a polpa da fruta, pouco açúcar e poucos elementos artificiais. “O consumo urbano está incorporando uma variedade maior de produtos do cerrado, que vinham sendo desprezados por puro desconhecimento até mesmo da população rural”, conta Donizete Tokarski, diretor Ecodata, agência dedicada à capacitação de agroextrativistas.

Ele explica que, enquanto centros de pesquisa, como a Embrapa Cerrados, estão oferecendo novas tecnologias para manejo e aproveitamento sustentáveis de frutos e madeiras da região, o maior desafio continua sendo estimular a demanda em compasso com a exploração controlada em campo. Se há restaurantes oferecendo pratos sofisticados com pequi, por outro lado há uso limitado na roça de ingredientes conhecidos como farinha de jatobá e polpa de cagaita. Esses poderiam se tornar, respectivamente, pães e geléias.

“A disponibilidade precisa crescer junto com a valorização local desses ingredientes naturais”, resume Tokarski, apostando que o baru (castanha típica do cerrado) vai virar moda. Tabletes de caldo de pequi e barrinhas de cereais de baru já são encontrados em supermercados do Centro-Oeste. Por fim, a inclusão dos alimentos típicos nas compras governamentais, como a de merendas escolares, é apontada por especialistas como decisiva para fomentar hábitos alimentares e produção. Exemplos bons para o norte de Minas não faltam nos estados vizinhos.

* Jornalista


Defesa genética

A ciência está confirmando algo que o sertanejo já sabia. O cerrado é o bioma mais valente quando o clima tem mudanças radicais e, por isso, também é o mais resistente aos males do aquecimento global. Em poucas plantas do cerrado pode estar uma saída para a agricultura brasileira mitigar efeitos catastróficos nos próximos anos, com secas e altas temperaturas. Espécies como o pau-terra-da-folha-grande e a sucupira-preta podem servir aos transgênicos de segunda geração, criações de laboratório adaptadas ao estresse ambiental. Na biodiversidade está então a salvação da lavoura. Os pesquisadores Eduardo Assad e Hilton Pinto deixam isso claro no estudo “Aquecimento Global e a Nova Geografia da Produção Agrícola no Brasil”, conduzido Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola (Embrapa) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Eles alertam que, se mantidas as condições atuais, a produção de alimentos está ameaçada e a solução está no plantio direto, no incentivo à integração pecuária-lavoura, na recuperação de pastagens e no combate às queimadas e ao desmatamento. (SR)


SABORES DO CERRADO
Relação de frutos já explorados por sorveterias do país


Acerola
Araçá
Araticum
Bacuri
Bacaba
Brejaúba
Buriti
Cagaita
Cajá
Cajú
Cupuaçu
Curriola
Gabiroba
Gengibre
Graviola
Guapeva
Jabuticaba
Jaca
Jatobá
Lichia
Mamacadela
Manga
Mangaba
Maracujá
Mutamba
Murici
Tamarindo
Taperebá
Umbú

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