Artigo na revista Pequi 3


Norte de Minas com todo o gás

Pesquisadas por décadas, enormes jazidas do combustível estratégico começam a ser exploradas na região e a despertar negócios

Sílvio Ribas*

O que sempre foi óbvio para leigos e especialistas – a presença de gás natural no subsolo do Norte de Minas Gerais – levou décadas para deixar de ser só fato curioso para se tornar negócio lucrativo e de horizonte promissor. Agora, além de ser um desafio para engenheiros e objeto da disputa internacional, a parcela da gigantesca reserva da Bacia do Rio São Francisco presente no estado inaugura uma nova fase para a economia regional.

O gás começou a ser oficialmente explorado em setembro e os desdobramentos dessa atividade – autorizada e supervisionada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) – são auspiciosos. O cenário mais otimista é o do surgimento de um parque industrial no sertão viabilizado pela oferta segura e abundante do insumo energético, por uma futura rede de gasodutos e pela melhora da infra-estrutura de transportes. O Norte de Minas está com todo o gás e aberto aos investimentos.

“Após 30 anos de estudos e prospecções, podemos, enfim, comemorar. Áreas valiosas para exploração do gás natural na porção mineira da bacia do São Francisco começam a ser perfuradas”, declarou Sergio Barroso, secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas, em recente entrevista. O Palácio da Liberdade, garante, dará todo apoio necessário para viabilizar a produção do gás. As perfurações vão definir se o estado será, de fato, expoente na exploração de gás, com a redenção econômica de municípios localizados também nas regiões Noroeste, Central e Alto Paranaíba.

A provável instalação de setores de cerâmica e siderurgia, usuários intensivos de gás (um energético politicamente correto, diga-se), poderá alterar por completo o perfil sócio-econômico da região. Por outro lado, a geração de empregos locais se somaria às receitas extras para as prefeituras destinarem à qualidade de vida de seus públicos. Os direitos de exploração (royaties) do recurso natural serão pagos mensalmente aos municípios e aos donos de terrenos onde houver poços. E o primeiro passo para isso já foi dado.

Após concluir o mapeamento geológico e as análises física e química do terreno, a próxima etapa do consórcio que detém os direitos de exploração no Bloco 132 da bacia do São Francisco, a oeste da Represa de Três Marias, foi perfurar o primeiro poço comercial do estado com potencial para extração de gás. O local escolhido para a perfuração localiza-se nas proximidades do rio Indaiá, município de Morada Nova de Minas, região central. O custo estimado para apenas essa unidade é de R$ 19 milhões, incluindo R$ 9 milhões aplicados em testes científicos.

Antes mesmo de levantamentos dimensionarem com precisão os volumes totais, estima-se que 1 trilhão de metros cúbicos de gás estejam assentados na bacia do São Francisco. Isso é o suficiente para abastecer por 60 anos todo o País, que conquistaria a auto-suficiência no produto e se livraria das oscilações de preço e de humor do governo da Bolívia, único fornecedor estrangeiro. As reservas bolivianas, por exemplo, não chegam a 730 bilhões de metros cúbicos assegurados.

Grandes empresas nacionais e estrangeiras – Shell, Esso, Repsol, Total, Petrobras, entre outras – foram atraídas por essa perspectiva de explorar “uma Bolívia” em pleno território mineiro em licitações para pesquisa e prospecção realizadas pela ANP nos últimos anos. Esse mercado é mesmo tentador. Segundo a Petrobras, o Brasil consome 58 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia, 60% desses destinados à indústria no geral, 17% à produção de eletricidade, 13% à indústria automotiva e os 10% restantes para abastecer veículos e demais clientes. O geólogo Renato Fonseca, da estatal Companhia de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais (Codemig), estima que, dependendo da capacidade da jazida encontrada, a perspectiva é de que o gás possa ser vendido em cinco anos.

Para ilustrar o tamanho de mais essa riqueza de Minas, basta lembrar que, nos tempos de seca, habitantes fazem fogueiras em buracos nas praias do Rio Paracatu. Lá o gás serve para cozinhar e aquecer as noites frias de pescaria. Em Buritizeiro, a água borbulha em vários pontos do Remanso do Fogo e chega a brotar em poços artesianos acompanhada de chamas (Fazenda Vale das Aroeiras). Tais fenômenos, indicações mais do que diretas da existência de hidrocarbonetos (combustíveis fósseis) são chamados exsudações. Na mina de zinco Bento Carmelo, em Paracatu, aflora, por sua vez, o coque (hidrocarboneto na forma carvão). O Rio Indaiá traz várias ocorrências em Morada Nova. Numa dessas, uma cratera queimou por dois meses. Fogo é indício de gás e este de petróleo. Mas isso já é outra história.

Só em Minas, a bacia do São Francisco, que também alcança a Bahia e Goiás, abrange quase 126 mil quilômetros quadrados nas regiões Norte e Noroeste. Ao todo são 251 municípios na bacia, sendo 179 mineiros. Desses, Buritizeiro, Santa Fé de Minas, São Romão e Montalvânia, de economia rural e população humilde, são os de maior potencial na exploração do gás. Em Minas, foi licitada área de 128 mil quilômetros divididos em 43 blocos, dos quais 39 foram comprados.

Eliane Petersohn, geóloga da ANP, informa que estudos estabelecem paralelos entre a jazida de gás do São Francisco com outras grandes, tanto no período geológico (Proterozóico) quanto no tipo de solo. Esse seleto clube reúne oito áreas privilegiadas espalhadas pelo mundo, que incluem as situadas na Rússia (Sibéria e Volga-Ural), Austrália (Amadeus e Officer) e China (Sichuan), onde volumes já explorados há tempos chegam a ser até três vezes maiores.

Ela conta que o esforço exploratório se acelerou após o surgimento da agência, em 1998. Antes só havia sondagens técnicas e quatro poços-teste da Petrobras mais 17 da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), da União. O Brasil inteiro tem reservas provadas de 332 bilhões de metros cúbicos, a grande maioria localizada nas profundezas marinas e no meio da floresta amazônica.

Na sétima rodada de licitações, em outubro de 2005, foram arrematadas 33 áreas, num total de 97 mil quilômetros quadrados, a maioria pela argentina Oil M&S (22), seguida da Petrobras (5), em parceria com a britânica British Gas (BG). O consórcio mineiro formado pela Codemig (49%), Orteng Equipamentos, Delp Engenharia, Codemig e Comp conquistou leilão do pioneiro Bloco 132, revelando interesse estratégico do governo mineiro em desenvolver a exploração. O contrato de concessão foi assinado em janeiro de 2006 e o primeiro período exploratório se encerra em janeiro de 2010.

A décima e mais recente rodada de licitações, em dezembro de 2008, concedeu mais nove poços, com 21,7 mil quilômetros quadrados, que têm período exploratório até janeiro de 2016. Os contratos foram assinados no fim de junho. Ao lado da Cemig, a Codemig também participou dessa rodada, com ofertas vencedoras para os Blocos 104, 114, 120 e 127. Os contratos de concessão, com início em julho deste ano, têm encerramento no primeiro período exploratório em julho de 2013 para os blocos da Rodada 10. Os blocos 120 e 127 ficam a norte e a nordeste da Represa de Três Marias. O Bloco 114 tem seu centro na sede do município de Pirapora e o 104, na de Ibiaí. Nos demais blocos, planeja-se investir, em conjunto, um valor mínimo de R$ 15 milhões em obtenção de dados geológicos entre 2009 e 2013.


* Sílvio Ribas é jornalista

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