Cadê a infraestrutura?

O Brasil nunca precisou tanto de uma infraestrutura melhor como agora, seja para tirar a economia do marasmo em que se encontra, seja para superar gargalos históricos, que roubam diariamente a competitividade internacional e empurram a inflação para cima. Mas a urgência de ampliar e de modernizar portos, aeroportos, rodovias, ferrovias está trombando na desconfiança de investidores e nas velhas dificuldades burocráticas. Não à toa, o governo vê o sucesso das privatizações como a prova dos nove para a credibilidade do país. Na avaliação de analistas, falhas na condução dos projetos pelo governo, ressentimentos com a ingerência estatal e a atual onda de protestos no país conspiram contra a meta da presidente Dilma Rousseff de acelerar, neste mês, o bonde das concessões à iniciativa privada. Trata-se, conforme o governo, do maior processo de privatização em curso no mundo hoje. “Apesar de a necessidade de investimentos ser consenso entre especialistas e o Palácio do Planalto, a recente piora do cenário externo torna essa prioridade bem mais complexa”, observa Cláudio Gonçalves, professor da Trevisan Escola de Negócios. Ele teme que o clima de incerteza continue impedindo que saiam do papel obras já atrasadas em seu cronograma original, em razão da “inércia própria da máquina de governo”. “Não bastassem as divergências em torno da modelagem das concessões, nasceram, dentro do governo, resistências devido ao pouco jogo de cintura para mediar conflitos de interesse”, acrescenta Gonçalves. Os programas de concessões colocados em marcha pela presidente em 2011, ao lado de mudanças radicais em modelos regulatórios, busca R$ 500 bilhões em investimentos nos próximos 30 anos. Com avanços e recuos, o esforço para acelerar os pacotes logísticos e de energia, se concentrará no período de agosto a outubro, quando são esperadas licitações decisivas. Para isso, o governo cedeu, aliviando exigências e elevando as taxas de lucros aos futuros concessionários. “O maior receio de interessados na gestão de aeroportos, rodovias e ferrovias é justamente o excesso de editais, lançados quase todos ao mesmo tempo. Assim, há o risco de dúvidas se encavalarem nos balcões do governo”, comenta Marlon Ieiri, advogado especializado em concessões de infraestrutura. Ele informa que os investidores estrangeiros ampliaram as preocupação nos últimos dias diante da disparada do dólar e dos intensos protestos de rua. Para o consultor de gestão empresarial Telmo Schoeler, sócio da Strategos, o grande nó dos projetos bilionários oferecidos ao mercado está no risco político. “As tentativas de forçar concessões na marra já não deram certo neste governo”, lembra. Isso, sem contar a permanente tensão entre processos licitatórios e auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU). Estímulos No segundo semestre, o governo planeja licitar as rodovias BR-050 e a BR-262, os aeroportos do Galeão (RJ) e Confins (MG) e o trem de alta velocidade (TAV) entre as capitais de Rio de Janeiro e São Paulo. Diante do baixo apetite mostrado por investidores, a taxa de retorno das concessões rodoviárias foi elevada de 5,5% para 7,2%, e a do TAV, de 6,3% para a faixa de 7% a 8,5%. Alexandre Matos, da Consultoria Marcoplan, explica que a atual rodada de privatizações representa uma nova etapa de aprendizagem, num processo iniciado há duas décadas, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Ao longo dos anos, as privatizações e outras parcerias com o capital privado buscaram desde eficiência econômica até recursos para o caixa público”, conta. A etapa atual, sublinha ele, representa uma flexibilização de um dogma petista, ao reconhecer a morosidade dos investimentos do Estado e a falta de recursos para tocar obras urgentes. Mas também é intenção da presidente Dilma consolidar uma fórmula híbrida, no qual a agilidade de empreendedores se mistura com um claro viés de controle estatal. “Ocorre que, ao forçar essa sociedade, o governo criou um desconforto com a limitação do retorno financeiro e a insegurança jurídica, sobretudo no processo de renovação forçada de concessões de hidrelétricas”, detalha Matos. O consultor de negócios Renato Almeida Prado, diretor da Suriana Trading, ressalta que um ponto a compensar essa aversão é o caráter de longo prazo dos investimentos em infraestrutura. “Ninguém perde de vista quanto vai ganhar no final. É uma conta simples”, diz. A escalada de dificuldades para deflagrar os investimentos ganhou nos últimos dias um elemento novo e imprevisível: os protestos populares . Além de sugerir os estrangeiros um ambiente doméstico menos estável, a resposta apressada dos governos para conter as queixas, baixando ou congelando tarifas de transporte público, colocou no radar temores quanto à solidez dos contratos. Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Projetos e Logística (EPL), não acredita que interessados em empreendimentos com o TAV se abalem com o noticiário. “É um outro tipo de investidor e outro tipo de concessão”, frisa. Contudo, admite que, se as manifestações se prolongarem nas próximas semanas, alguns competidores nacionais poderão tentar explorar os fatos para desencorajar os estrangeiros. O pior cenário projetado pelo executivo é a licitação do trem-bala ser apresentada como concorrente direto dos planos de mobilidade urbana. Fonte: Correio Braziliense de ontem

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