Sem condições


Sílvio Ribas
As vendas recordes de carros novos em 2011 injetaram mais combustível no já gigantesco e urgente desafio da infraestrutura rodoviária do país. Atrás do número total — 3,63 milhões — estão histórias de orgulho do primeiro automóvel da família que se chocam com condições ruins das pistas país afora. Que o diga o maranhense José Augusto de Carvalho, 45 anos, que ainda está pagando as 30 prestações do seu sonho sobre rodas. O morador da Vila Estrutural, de Brasília, lamenta as limitações das vias: “é uma pena porque dependo do carro”.
Menos de 20% das estradas são pavimentadas e mais da metade dessa parcela (57,4%) tem deficiências, calcula a Confederação Nacional do Transporte (CNT). Seu último balanço mostra que 24,9 mil quilômetros, 27% do total asfaltado, estão em situação crítica. “Se faltar investimento, os transportes entrarão em colapso”, alerta o diretor executivo da CNT, Bruno Batista. Ele informa que até a China está disposta a investir centenas de bilhões de dólares na logística do país, mas não enxergam regras seguras para isso. “Os projetos previstos para os próximos 10 anos são cruciais para o país avançar sem sustos”, acrescenta Guilherme Floriani, analista de infraestrutura do Ministério de Minas e Energia.
A tarefa de reduzir custos de transporte e riscos à vida é do Estado, que há cinco anos tenta recolocar nos trilhos a agenda perdida dos investimentos em infraestrutura. O objetivo também é superar os constrangimentos trazidos pelo crescimento econômico. Graças às concessões de rodovias, ferrovias e aeroportos previstas para este ano (veja tabela), além de leilões do sistema elétrico, a expectativa de especialistas é que 2012 possa até ser o marco dessa retomada. “O momento é propício. Só falta acabar com o terrorismo de celebridades em torno dos projetos hidrelétricos”, brinca Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).
Obras em portos e hidrelétricas ainda são, contudo, as melhores vitrines do esforço federal para superar “gargalos óbvios”. Empreendimentos como a Hidrelétrica de Belo Monte (PA), de R$ 19 bilhões, são especialmente patrocinados pela União. Mas analistas sublinham que essas e outras iniciativas ainda são acanhadas diante das necessidades do país e ainda cercadas de regras instáveis. A maior queixa está na concentração dos esforços nas mãos da União, financiando ou liderando, sem dar espaço mais relevante ao capital privado.
O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central (BC), defende para a logística uma abertura igual ao que teve a telefonia nos anos 1990. “O ranço ideológico do governo não dá chance de o investimento privado imprimir a velocidade exigida pelo momento”, critica. Os números da telefonia celular impressionam. O país fechou 2011 com recorde de habilitações, 39,3 milhões, uma alta de 19,36% sobre 2010 e alcançando a marca de 242,2 milhões de celulares ativos.
As telecomunicações colecionam progressos que se aceleram junto com o aumento da renda. O lar da maranhense Cristina Raquel Dinis Lopes, 43, é, por exemplo, um dos 12,74 milhões com TV por assinatura. A televisão LCD de 32 polegadas que ganhou do marido no dia das mães é a diversão dos filhos Marcos Kevin, 10, e Bianca Caroline, nove. “Eles adoram os desenhos”, conta. Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a TV paga registrou em 2011 o maior crescimento dos últimos seis anos, com 2,97 milhões de novos assinantes, crescimento de 30,45%.
Por outro lado, como planejador e indutor, o Estado tem papel estratégico. Uma prova disso foi o sucesso da política brasileira para enfrentar as recentes crises mundiais pós-2008, reconhecido no exterior, anota o economista Claudio Porto, presidente da consultoria Macroplan. Os bancos públicos, em particular, tiveram papel decisivo para manter os níveis de crédito e de produção. Na infraestrutura, a mão invisível do Estado apóia investidor local e estrangeiro. Só o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) prevê desembolso de R$ 52 bilhões este ano para a infraestrutura.
“Apesar das inúmeras oportunidades para 2012, com concessões rodoviárias e aeroportuárias, o risco governamental é elevado, com chances de atrasos em vários projetos”, pondera Hugo Tadeu, professor de logística da Fundação Dom Cabral (FDC). Para ele, permanecerão por anos as cenas de todo fim de ano, com estradas fechadas por quedas de barreiras, aeroportos saturados e filas de caminhões para descarregar nos portos. “Falta investimento público e privado, mas o governo insiste em reduzir o retorno financeiro das concessionárias e elevar o custo de capital”, pontua.
O Estado não só regula a atividade econômica, mas também é dono direto e indireto de grandes e pequenos negócios, sem falar da influência sobre fundos de pensão de estatais, principais investidores do mercado de capitais. Com isso, o capitalismo à brasileira interfere até na gestão privada. Cerca de 680 empresas de todos setores têm alguma participação ou influência do Palácio do Planalto.
São participações diretas ou indiretas do Tesouro, dos bancos federais, de estatais ou dos fundos. O apetite do Estado-empresário ganhou força no governo Lula e continua com Dilma Rousseff. Nos nove anos da gestão petista foram criadas sete estatais, como a Petrosal, e recriadas outras, como a Telebras. A partir deste ano, o Banco do Brasil (BB) passou a explorar o Banco Postal, rede de serviços bancários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

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