Agora vai?


Sílvio Ribas
O Brasil despertou para o crescimento, é elogiado internacionalmente e ainda esbanja otimismo do povo. As duas últimas décadas deixaram para trás tempos de inflação desgovernada e de economia fechada enquanto o avanço da renda nas camadas mais pobres da população vem embalando há anos uma escalada de consumo de dar inveja aos países desenvolvidos. O futuro prometido ao gigante adormecido parece ter chegado. Mas nem a nova euforia e a velha esperança de dias melhores para a agora sexta economia mundial, que ultrapassou Itália e Reino Unido desde 2010, conseguem esconder desafios enormes, como os da infraestrutura, e ameaças graves, como as pressões gerais sobre seus custos domésticos.
Apesar dos grandes números da economia, o Brasil de hoje, repleto de oportunidades para empresas e trabalhadores, expõe como nunca suas fragilidades. O país que cresce e chama a atenção em tempos amargos para gigantes industrializados — Estados Unidos, União Europeia e Japão — vem perdendo competitividade nos setores tecnologicamente mais avançados e está ainda longe de ser chamado desenvolvido e socialmente justo. Precisa melhorar a educação, reduzir burocracia e oferecer transporte e energia em escalas adequadas. Esse cenário contraditório faz com que as atuais decisões de governo determinem se o país continuará limitado a uma taxa média de crescimento de até 4,5% ou se pode se aproximar dos outros grandes emergentes, acima de 7,5%.
Na série de reportagens “Encontro com o Futuro”, inaugurada nesta edição, o leitor do Correio terá um panorama dos perigos e das chances de ouro colocadas para a economia brasileira. Os especialistas são unânimes em afirmar que a primeira de várias conquistas na acidentada trajetória de modernização da economia do país veio com a abertura comercial e com as privatizações iniciadas pelo presidente Fernando Collor de Mello em 1990. A competição libertou os consumidores da imposição de escolher produtos caros e ruins, com destaque para o fim das carroças, como Collor chamava os carros aqui fabricados. Outro movimento espetacular foi na telefonia que, aberta à concorrência internacional, popularizou serviços sofisticados.
Apesar de tudo isso, ainda há espaço para mais abertura e, pior, o governo Dilma Rousseff acena com medidas protecionistas para tentar estancar perdas relativas de alguns segmentos produtivos mais influentes. A nova política industrial não garante, contudo, que a indústria continue perdendo vigor e mercados para importados e nem que o país continue cada vez mais dependente da exportação de matérias-primas, minério de ferro e soja à frente. “A ideologia do Estado salvador da produção sempre rondou a cabeça dos governos, sobretudo o atual”, afirma Rodrigo Tolentino, economista do Instituto Millenium. Para ele, melhor seria seguir o exemplo chinês e brigar pelo investimento produtivo, nacional e estrangeiro, com foco na inserção competitiva da economia brasileira no mundo.
O economista Fábio Gambiagi, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), avalia que o atual nível de abertura da economia brasileira é coerente com a história, a cultura e as peculiaridades locais. “É próprio de um país de dimensões continentais ser mais fechados que os pequenos", acrescenta. Apesar disso, ele ressalta que o grau de abertura poderia ser maior se as pressões protecionistas não fossem tradicionalmente tão fortes no Brasil. Apesar de não ver riscos de grandes retrocessos no processo de inserção do país na economia mundial, iniciado no começo dos anos 1990, o professor receia que medidas protecionistas setoriais continuarão a existir.
Com a experiência de quem acompanha há anos diversos projetos nacionais de fomento à indústria, Ismael Giglio, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), afirma que o Brasil precisa dar urgência à retomada dos investimentos em infraestrutura, com igual peso para o combate à burocracia. Segundo ele, o acirramento da competição global após as crises iniciadas em 2008, sobretudo entre emergentes, adicionou pressões para tirar a agenda de reformas microeconômicas da gaveta. Na sua opinião, só a manutenção dos pilares da estabilidade construídos ao longo dos últimos 25 anos não garantirá avanços expressivos nas décadas seguintes.
Propostas de mudanças paradas há dez anos, como as voltadas para facilitar a abertura de empresas e aliviar encargos trabalhistas sobre a folha de pagamentos, além de estímulos à pesquisa industrial, estão sendo colocadas na ordem do dia. “O setor privado não consegue ser competitivo e inovador ao mesmo tempo com tantos obstáculos. Por isso, reduzir o Custo Brasil, da energia ao crédito, é o grande desafio para o país ter progresso duradouro”, diz Giglio.
Ele calcula que será preciso uma década para “colocar a casa em ordem”, sendo três anos para tocar um grande plano nacional seguido de outros dois períodos iguais para, respectivamente, consolidá-lo e torná-lo sustentável no longo prazo. “Infelizmente não dá para fazer ajustes institucionais em poucos anos e sem grande e permanente vontade política”, observa.
O especialista em investimentos do BID lembra que o recém iniciado processo de concessão de grandes aeroportos é uma mostra de que como está se impondo a necessidade de dar competitividade ao país via absorção de tecnologias e métodos de gestão. “Neste sentido, novas aberturas para empresas e capitais privados, de preferência estrangeiros, deverão ocorrer”, sublinha. Ele prevê investimentos de grande porte nos próximos 20 anos nas áreas de energia, petróleo, etanol.
Mais incisivo, Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central (BC), acha que o país prejudica a confiança externa depositada nele ao revelar uma liderança frágil e com sérios problemas de execução de suas políticas, sobretudo as acertadas. “Temos vários obstáculos que impedem crescimento mais forte e prolongado, desde a decadência das rodovias, portos e aeroportos até os encargos trabalhistas do tamanho do rendimento do trabalhador. Mas as reformas principais não foram priorizadas”, critica.
O economista lamenta pelo tempo e dinheiro excessivos cobrado pela burocracia e considera a reforma tributária um “entraves que sobra”, defendendo a criação de um imposto de valor agregado a ser cobrado na origem para substituir o atual ICMS e encerrar a guerra fiscal entre estados. “Vamos sempre pelo caminho mais fácil e repelimos soluções para fazer o crescimento potencial ser real, acima de 4,5%, sem riscos inflacionários”.
Schwartsman ressalta que o peso maior da economia brasileira reflete um câmbio forte e o grande mercado interno, “mas todos sabem que Singapura, muitas vezes menor, é mais competitivo”. “Isso é o que vale, juntamente com o PIB per capita”, resume. Os investimentos necessários está na casa de trilhões de dólares.
Ingo Plöger, presidente da Conselho Empresarial da América Latina (Ceal), concorda com a lista de fatores que conspiram contra o sucesso absoluto da economia brasileira no mundo. Mas acha a valorização da moeda local nos últimos anos, de 45% desde 2007, supera todos os demais pontos juntos. “O ministro Guido Mantega (Fazenda) tem razão ao alertar para a guerra cambial liderada por China e EUA e pedir punições. Por outro lado, não podemos continuar sendo o aluno mais bonzinho da turma quando todos estão fazendo suas estripulias”, disse.
Ele ressalta que até a Suíça derrubou recentemente em mais de 20% sua moeda e desatrelou do dólar no seu câmbio, enquanto o Federal Reserve (Fed, o BC norte-americano) expande a base monetária sem qualquer constrangimento e a China segue com suas dividas ultradesvalorizadas. “Ficamos mais vulneráveis quando a única solução adotada é proteger setores mais organizados em seus protestos, O câmbio é a mãe dos problemas e isso antes de o pré-sal começar a impactar na balança comercial”, diz.
No quesito renda per capita e justiça social, os alvos também estão colocados. Reginaldo Gonçalves, economista da Faculdade Santa Marcelina (SP), calcula que o país precisará de 10 a 20 anos de investimento e crescimento contínuos para atingir a qualidade de vida dos europeus. Ele lembra que, mesmo em plena crise econômica, a renda por habitante e os benefícios sociais da Zona do Euro ainda são muito superiores aos do Brasil.
Para o professor, a estabilidade econômica do país iniciada na década de 1990 criou as bases para iniciar uma trajetória de redução dessas diferenças, na qual se incluem a retomada do crescimento do PIB e elevação do bem-estar social com melhor distribuição de renda. Mesmo assim, ressalta que a riqueza nacional ainda está muito concentrada e “não basta elevar consumo e acesso a serviços públicos”. “Também é necessário perseguir metas de qualidade na educação e na saúde”.
Gonçalves entende que políticas assistencialistas são insuficientes para mudar o quadro social brasileiro, pois um salto de prosperidade requer elevar o nível técnico da mão de obra para resultar em renda superior e melhores perfis de demanda e poupança. Neste sentido, considera que reformas políticas e institucionais também são necessárias para elevar o patamar social. Entre elas, ajustes na Previdência Social, “enquanto ainda dá tempo de evitar problemas no futuro”, como os que vive a Europa, e o combate aos desvios de recursos públicos para reforçar transporte, saúde e programas habitacionais. “Mais de 20% do PIB cai no ralo da corrupção”.

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