Pasta Joia Review - 4


A graça da água
O povo de Minas Gerais está agoniado com a crescente escassez de água. Fruto de décadas de agressões ao meio ambiente, a triste e árida realidade contrasta com uma época em que o mais essencial elemento era transbordante em nossas vidas. Generoso, ele era um fator de felicidade.
Hoje, qualquer chuvisco é recebido como uma graça dos céus. As gotas que saem das torneiras estão, por sua vez, cada vez distantes de ser algo “de graça”. Mas quando éramos crianças no sertão mineiro dos anos 1970 e 1980, a água era farta e, além de tudo, muito engraçada.
Os recursos hídricos nos traziam a alegria cristalina da espontaneidade e da satisfação. Mangueira, esguicho, balde, tanque de lavar roupa e o que mais jorrasse o precioso líquido se convertiam em fonte para singelas brincadeiras. A meninada hoje ainda adora ouvir splash, tchibun e chuá.
Lembro das vezes que ficava sob o chuveiro aberto com a touca plástica da mamãe só pra ouvir barulhinho de chuva. Pular na piscina para assustar distraídos faz parte das minhas doces e molhadas lembranças. Outra é as vezes que imitávamos estátua de chafariz cuspindo água pelo bico.
A lista era longa. Um copo de água com detergente e um arco de arame com cabo virava emissor de bolhas. Na quermesse, tinha bacia para pescar brindes submergidos. Após o temporal, folhas secas e barquinhos de papel eram postas para competir na correnteza que se formava na sarjeta.
Sem falar das lagoas, das cachoeiras, dos rios e dos mares distantes, havia ao nosso alcance muitas opções domésticas de diversão aquosa. Muito antes dos parques aquáticos, termais ou não, curtíamos pistolas de lançar jato de água, os Aquaplays da Estrela e bichinhos de borracha da banheira.
O fato de termos bebido, nadado e nos banhado nas águas volumosas e risonhas daquele tempo nos obriga a agradecer agora a natureza pelas emoções puras e pela saciedade. Mas também somos forçados a pedir a ela perdão pelo desperdício, pela sujeira e pela degradação. Pingo final.

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