Pasta Joia Review - 11


A bola oficial da pelada
 “Ei, seus moleques! Essa bola derrubou o meu vaso! Se cair aqui de novo, eu vou cortar ela na faca.” Advertências duras do vizinho como essa foram ouvidas pelos garotos de todos os cantos do país naqueles tempos. Isso porque todos nós tínhamos nos anos 1970 e 1980 a tal Dente de Leite, uma leve e valente bola branca de borracha com gomos pretos pintados. Ela era a versão mais barata daquele modelo clássico da pelota de futebol, conhecido no mundo inteiro até os dias atuais.
Expressamente proibida dentro de casa, a esfera inquieta ganhava as ruas de todo tipo de pavimento, os campinhos bem-cuidados e improvisados, as pracinhas e as quadras de cimento nos clubes sociais e nos centros comunitários. As nossas inseparáveis Dente de Leite reinavam absolutas nas peladas, como sendo a geração sucessora das bolas de meia. Rolava fácil em todo tipo de terreno e batia tantas vezes nos muros, portões e outros lugares que limitavam seu avanço até o ponto de restar inteiramente desbotada e ralada.
Até o dia que o nosso brinquedo número um rasgava ou murchava, por razões “naturais” ou por ataques premeditados, muitas partidas e treinos eram disputados com ele pela garotada, na maioria das vezes descalça. As intermináveis horas correndo atrás, chutando e fazendo firulas com as rainhas de gramados, várzeas e demais canchas marcaram uma geração inteira. Quantos craques será que elas revelaram? Quantas janelas elas quebraram? De quantos gols ela participou? Incontáveis.
Lembro-me do dia que uma senhora surgiu por detrás de um caminhão estacionado na porta de minha casa com um círculo vermelho nas costas descobertas, reclamando de uma bolada. Também recordo do lance improvável que fechou um marcador a favor de meu time, com a Dente de Leite quicando em três cabeças antes de cruzar a linha do goleiro. Os beques tinham de ficar espertos, porque aquela bola alva era rápida e rebatia em tudo a qualquer momento. Os atacantes e goleadores, por sua vez, tinham prazer em soltar aquela bomba no pé.
Obrigado, velha parceira, pelas jogadas e comemorações naquelas tardes quentes do interior de Minas. A sensação que tenho agora é que, tal qual seu nome inspirado nas categorias de base do futebol sugere, a primeira dentição é a expressão do sorriso sincero da infância. Mas que, infelizmente, acaba cedendo um dia para a segunda e definitiva dentição, aquela que carregaremos até o final. As lembranças boas, contudo, teimam em não ir embora. Nem quando a mãe da gente chama para tomar banho, jantar e fazer a lição de casa.

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