Morte ao vivo

Sílvio Ribas

O ser humano é provavelmente o único bicho que sente prazer em contemplar o sofrimento alheio. Também não conheço outro animal, no sentido amplo da palavra, que mata como simples distração ou busca de autoafirmação. Se a gente se esforçar um pouquinho, consegue perceber essa característica em inúmeras situações cotidianas e fúteis. Mas o que mais me impressiona no momento é ver como os brasileiros estão obcecados em curtir, no sentido on-line da palavra, a tragédia do semelhante. Não faltam mostras no coliseu eletrônico em que se tornou a tevê e a rede mundial de computadores, em que milhões ovacionam o suplício dos jogados às feras e aos assassinos.

É de estarrecer. A novela global do horário nobre vem exibindo crianças abandonadas no lixo e vilãs ameaçando a rival com uma enorme faca no pescoço. Programas vespertinos trocaram de vez o pudim pelo presunto, conforme reclamou o próprio Carlos “Ratinho” Massa, mestre da baixaria televisiva. Para completar, o crime que chocou o país nos últimos dias, da esposa que matou e esquartejou friamente o marido, virou, minutos depois de revelado, inspiração para várias piadas no Facebook. Tudo parece entreter igual aos sanguinários games jogados por meninos.

Não vejo como ideal um país de pudicos e alienados, mas acho que esse humor gratuito de mau gosto pode ofender bem mais pessoas do que as famílias arruinadas pela tragédia. É a cultura da paz a perder terreno para a infâmia. Temo que a barbárie, mesmo ganhando contornos mais sofisticados e modernos, enseje recaídas no longo processo civilizatório.

Melhor prova disso foi a comemoração popular, há pouco mais de um ano, em praças públicas dos Estados Unidos, da morte do terrorista Osama bin Laden. Na mesma bacia coloco o extermínio no meio da turba, como bonecos esfarrapados de Judas, dos ditadores Saddam Hussein, do Iraque, e Muamar Kadafi, da Líbia. Longe de inocentar esses monstros, vejo igualmente deplorável o espetáculo de sua execução. No Brasil, já vimos muita aglomeração de transeuntes esperando o suicida pular do prédio. Dos gladiadores romanos derramando sangue na areia para delírio da plateia às multidões de hoje, prontas para o linchamento, o instinto mais primitivo sobrevive no sadismo inconfesso.


Fonte: Correio Braziliense - 14/06/2012

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