Zona de desconforto

Por Sílvio Ribas Estamos vivendo um momento amargo no cenário econômico mundial e, sobretudo, em nível nacional. Inflação alta, impostos subindo, escândalos corporativos à reboque da Petrobras e a certeza de dois anos (2014 e 2015) com a atividade produtiva em marcha ré dão ao país um retrato melancólico. Essa imagem já está levando muito investidor estrangeiro, como o megaespeculador George Soros, a se desfazer de boa parte dos seus papéis verde e amarelo mais importantes negociados em bolsa. Apesar de apreensões e incômodos trazidos pelo cenário adverso para governo, empresas e trabalhadores, constatar que a coisa não vai bem e pode ainda piorar deveria resultar numa lição definitiva. O país precisa amadurecer com os fatos ruins do dia a dia para não mais persistir em erros que os têm levado a trafegar entre o céu e o inferno nos últimos 20 anos. A economia não vai suportar mais tantos períodos de bonanças provisórias - ou mesmo ilusórias - seguidos de outros de sufoco. E qual é a razão do nosso sofrimento? A resposta é tão simples quanto constrangedora: governo e sociedade não conseguem aproveitar os tempos de vacas gordas para promover as reformas exigidas para que nos tornem mais fortes, resistindo à quaisquer tempestade futura. Assim, os rombos da Previdência só crescem, a vulnerabilidade externa se faz presente ao menor sinal de fuga de capitais, o dólar dispara na onda especulativa e a inflação se espalha no embalo do "salve-se quem puder". É um velho chavão de palestras motivacionais lembrar que as crises podem representar a chance de pessoas e de países tomarem decisões difíceis mas virtuosas, ao serem colocados fora da chamada zona de conforto. A demissão inesperada, o divórcio sofrido e o tratamento para vencer uma doença letal poderiam levar a dias mais esclarecidos e gratificantes. O ensinamento está no ideograma chinês para a palavra crise, formado pela soma das palavras perigo e oportunidade. Mas também é verdade, recorrendo a outra analogia, que é muito pior reformar o telhado para combater as goteiras quando se está na temporada das chuvas. A hora de trocar telhas e impermeabilizar o teto é justamente durante a longa estiagem no inverno. Além de sair mais barato, o serviço tem mais qualidade, a ser testada nas primeiras trovoadas. O mesmo deveria valer para a economia, com mudanças na estrutura tributária e abatimento de dívidas brutas da União e dos entes federativos quando os cofres estivessem menos pressionados. Guerra fiscal Eduardo Arrieiro Elias, advogado especializado em Direito Tributário e sócio do escritório Andrade Silva, observa como o país deixou a guerra fiscal dos estados ter ido tão longe, a ponto de levar a uma situação de total insegurança jurídica. Para ele, esse é "o mais tormentoso problema do sistema tributário nacional". A guerra fez com que as unidades federativas criassem normas unilaterais, muitas vezes sem respeito às regras constitucionais, levando ainda mais incerteza à economia. Os chineses encaram mesmo a crise de uma forma distinta que nós, ocidentais. Para eles, a crise significa um sinal amarelo, para crescer com criatividade e coragem. No nosso caso, a crise é quase sempre o momento de procurar um lugar seguro, medir os passos e reduzir a exposição aos riscos. Trata-se de uma cautela óbvia, porque ninguém quer, mergulhado na zona de desconforto, perder mais do que o contexto já impõe. Olhar um pouco mais adiante não faz mal. Melhor ainda é sair do furacão disposto a ficar mais competitivo e até a fazer alguns sacrifícios na fase abonada.

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