Notas about Petrobras

O estresse histórico vivido hoje pela sexagenária Petrobras tem a sua origem, curiosamente, em fatos que deveriam embarcá-la em sua mais virtuosa trajetória. A descoberta das reservas gigantescas do pré-sal em 2007 colocariam o país no clube dos maiores produtores e as inovações dessa desafiadora exploração consolidariam o destaque da estatal na tecnologia aplicada às águas profundas. Ponto. Além da entrada em cena da nova matriz energética global, deflagrada pela liderança dos Estados Unidos na obtenção de insumo fóssil mais barato, o gás de xisto, os colossais erros estratégicos cometidos pelos governos petistas transformaram ricas jazidas em uma maldição para o país, com custos sociais, econômicos e políticos ainda sem horizonte claro para serem pagos. Tudo começou com a ânsia do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em colocar em marcha a estrada de progresso movida a petróleo profundo. Ao dizer, em agosto de 2008, que o país tinha ganho um “bilhete premiado” ao encontrar as reservas na camada do pré-sal, ele já tinha inflamado a cobiça das carentes unidades da Federação. O resultado foi uma batalha de quatro anos no Congresso Nacional, em torno da mudança do marco regulatório, de concessão para partilha, que ampliou a responsabilidade do Estado, leia-se Petrobras e, depois também a PPSA, a Petro-Sal, de olho em um suposto ganho extraordinário. A corrida pelo ouro negro deixou às claras o problema da concentração de recursos tributários na União e ainda balançou o equilíbrio federativo. Não adiantou Lula pedir cuidado para não gastar o que o país ainda não tinha. O passaporte para o futuro, com toda a tecnologia e capital requeridos, ficou mais distante e com custos políticos e econômicos bem maiores. Mas isso era só o começo. Em paralelo, corria solto o maior caso de corrupção da história, de dezenas de bilhões de reais, multifacetado e escorado nos contratos tocados pela Petrobras em várias frentes, desde poços de petróleo a refinarias de combustíveis. Triste. Recuperação condicionada SÍLVIO RIBAS A crise de confiança dos investidores na Petrobras, provocada pela revelação de casos de corrupção envolvendo a estatal, deverá continuar abalando suas finanças e suas perspectivas operacionais nos próximos anos. Para especialistas, só com o fim das incertezas sobre o comando da maior empresa brasileira, a apresentação das demonstrações financeiras de 2014 e definição sobre outros, como custo dos serviços da pesada dívida, ações judiciais e retaliações de reguladores do mercado, será possível redefinir o plano de negócios nesta década. Isso sem falar do câmbio e da cotação do petróleo. Os reajustes nas tabelas das refinarias e o avanço na exploração do pré-sal, conquistas da gestão Graça Foster, iniciada em fevereiro de 2012, não conseguirão amenizar desafios deixados ao sucessor. Mas há quem veja sucesso certo no futuro, a partir das vantagens inerentes. “Recuperada a confiança do comando, a Petrobras reúne condições para retomar o papel de vetor do desenvolvimento”, defendeu Adilson de Oliveira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mas ele admite que a vertiginosa queda do preço do petróleo “não facilitará essa tarefa”. A produção de petróleo da empresa já voltou a crescer, após quase dois anos estagnada, alcançando uma média diária de 2,6 mil barris, 3% acima da registrada em 2013. Essas boas notícias continuam sendo dadas, bem como na área de refino, sem, contudo, animar os analistas. O fato é que a empresa continua sendo importadora de gasolina e diesel, situação que perdura desde 2011. Graça esperava a volta do equilíbrio este ano, mas os investimentos em refinarias foi suspenso em razão da crise atual. Edmar Almeida, professor do Grupo de Economia de Energia da UFRJ, teme que a divulgação de R$ 88,6 bilhões em ativos sobreavaliados da petroleira alimente embates políticos. Por isso, entregar um balanço anual avalizado por auditorias independentes deverá ser a maior prioridade dos novos Conselho de Administração e diretoria executiva da estatal. O cenário de incerteza em relação às consequências da Operação Lava-Jato praticamente desmontou estratégias da empresa e a tendência ainda é de deterioração financeira. Almeida lembrou que, mesmo nos tempos em que o barril do petróleo estava valorizado e o dólar mais amigável, o endividamento subiu de R$ 103 bilhões em fevereiro de 2012 para R$ 261 bilhões em setembro último. E vai subir. “Apesar disso, a empresa é verticalizada, monopolista em um mercado consumidor em expansão e tem vastas reservas com custo técnico de produção bem abaixo do atual patamar de preço do petróleo”, ressalta Oliveira. Novo modelo pode ficar em xeque SÍLVIO RIBAS O atual marco regulatório do petróleo, que substituiu o modelo de concessões pelo de partilha e que impôs investimentos bilionários à Petrobras, poderá ser alvo de questionamento. Em paralelo, outro modelo adotado a partir dos governos petistas — o das cotas elevadas de nacionalização para produtos e serviços fornecidos à estatal — também poderá ser submetido a uma flexibilização, devido à pressão que a medida vem provocando sobre seus custos e à necessidade urgente de melhora de suas finanças. “Não me parece sustentável para a petroleira e para o país manter exigências tão pesadas em projetos exploratórios. Chegará uma hora que a questão será tratada politicamente”, disse uma fonte especializada no setor petrolífero. Uma reversão da partilha deve tornar ainda mais amarga a história da mudança no marco regulatório, uma batalha que se arrastou quatro anos no Congresso, entre 2008 e 2012. O impasse atrasou a retomada dos leilões exploratórios do pré-sal em cinco anos e ainda provocou profundos desgastes na relação entre entes da Federação, em prejuízo do Rio de Janeiro. O desejo de transformar uma constatação geológica — a das reservas potencialmente gigantes da camada do pré-sal — numa plataforma histórica de desenvolvimento do país atrelada à estratégia de poder do atual grupo dominante exagerou na audácia e pecou na falta de avaliação política e técnica dos riscos da enorme mudança proposta. A mudança envolveu quatro projetos de lei, que tramitaram enquanto o desempenho da Petrobras para se capacitar ao desafio do pré-sal se mostrava frustrante. “O Brasil perdeu a visão dos custos de uma nacionalização dos investimentos. Se mantivesse o conhecido modelo de parcerias com o capital privado, que levou à descoberta mais acelerada dos próximos supercampos em alto-mar, certamente sua produção de óleo teria participação bem superior à atual, inferior a 10% do total”, ressaltou outra fonte. “Isso tudo sem considerar a ‘briga familiar’ entre estados pela partilha do tesouro submarino”. Adilson de Oliveira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), discorda e avalia que a Petrobras pode dar conta do recado, tão logo o atual cenário de incertezas termine. “Empresa verticalizada, atuando como monopolista de fato em mercado consumidor em franca expansão, a empresa tem vastos reservatórios identificados com custo técnico de produção substancialmente abaixo do atual patamar de preço do petróleo”, ressaltou.

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