Conselho de milionário

Por Sílvio Ribas De uma caixa empoeirada tirei um extrato bancário de setembro de 1992, com lançamentos que parecem surreais hoje em dia. A galera cuja infância se deu após a estabilização econômica não tem a mínima ideia de como lidávamos com naturalidade diante de números tão grandes para expressar valores tão pequenos. Foi divertido confirmar ali o meu salário milionário à época: Cr$ 1.605.961,53, com tudo já descontado na folha. Apesar de a cifra soar gorda aos ouvidos atuais, tal qual ganho de celebridade da tevê ou de craque do futebol, ela estava muito aquém de me dar vida de luxo. O Banco Central mostra que meu rendimento em cruzeiros naquele longínquo mês equivaleria agora a só R$ 1.481,19. Isso considerando a carestia oficial acumulada, em pouco mais de 22 anos, de 253.500%. Vivíamos tempos bicudos da Era Collor, quando o dragão inflacionário rompia todas as barreiras heterodoxas erguidas pelo primeiro governo eleito pós-ditadura. Só mesmo o Real acabaria com a bagunça monetária, que não nos permitia planejar conquistas materiais sem os inevitáveis sobressaltos no meio do caminho. Após passar a ganhar em moeda perene, só me deparei com notas acima de três dígitos, ainda nos anos 1990, no Paraguai, com as surradas cédulas de guaranis, e na Itália, com as “mille” e “centomila” da lira, extinta com o advento do euro (2002). Faço tais reminiscências porque estou, sim, preocupado com a convivência, nos últimos anos, com uma inflação persistentemente alta. Tá tudo caro, não? Quando se fala em estouro certo da meta de IPCA para o ano, já elevada, de 6,5%, meus olhos se voltam ao passado. Desprovidos de qualquer nostalgia, eles buscam exemplos de situações capazes de alertar a sociedade da importância de zelar pela sanidade econômica. O resgate de erros como os da irresponsabilidade fiscal, da especulação endêmica e das indexações pode levar à reprise de grave turbulência política. Não existe e nunca existirá solução mágica para domar preços descontrolados. Podem se agarrar ao dólar artificialmente barato ou ao represamento de preços públicos, mas a conta chega e com correções dolorosas. Vejamos o que ocorre hoje na Venezuela, onde um preservativo custa R$ 55. Efeito Orloff (“Eu sou você amanhã”) nunca mais! Do “milionário” que já fui ouço o seguinte conselho: “Para não ter de cortar três zeros antes da vírgula, preservemos ao máximo o valor de cada centavo”. Fonte: Correio Braziliense de hoje, página de opinião

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