50 tons de marrom

Por Sílvio Ribas A sordidez e a mesquinharia nas quais a política brasileira se afundou não podem nos tirar a fé nas instituições da República. Pelo contrário, nunca precisamos tanto da solidez delas. Mas também é impossível não admitir quão difícil está resistir ao desânimo gerado pelo noticiário negativo, com a revelação diária de prejuízos históricos ao país, decorrentes dos malfeitos de agentes do poder constituído, da má gestão de governantes e da irresponsabilidade com a coisa pública. Em meio a isso tudo, sobrevive o discurso infame dos líderes petistas, voltado à dissuasão e ao embuste, sem constrangimento ou mea-culpa. Como não ficar estarrecido quando se veem governadores nomeando secretários de Estado que respondem a inquéritos na Justiça, ou se ouve a presidente Dilma Rousseff, depois de dois meses de reclusão, contemporizando os crimes na Petrobras? E o que dizer de senadores votando em Renan Calheiros (PMDB-AL) para presidi-los em troca de gabinetes? Para piorar, ainda há muita gente aí na rua batendo palmas para os falastrões e saindo em defesa de suposta "corrupção do bem", justificada pela "corrupção do mal" de administrações pregressas. Quando vejo tais fenômenos, resistindo à verdade exposta na nossa cara, a imagem que me vem à mente é a dos discípulos fanáticos de seitas religiosas. Para eles, a paisagem ruim deve ser creditada à janela que a mostra, ou seja, aos cidadãos conscientes e de bem e à imprensa livre e independente. Seus mestres apelam sem limites aos eufemismos, ao escapismo e às pílulas douradas para continuarem acumulando resultados cada vez mais danosos ao país. Temo que até o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tenha cedido a esse método, ao dizer que os rombos das contas públicas foram só uma "escorregadinha". Não é hora de minimizar nada. "A democracia não é lá essas coisas", diria Frank Underwood, o inescrupuloso protagonista da série televisiva House of Cards. "O caminho para o poder é pavimentado com hipocrisia e casualidades", também repetiria o agora presidente dos Estados Unidos na ficção. Como a coisa anda, será que outro bordão do personagem sobre a guerra pelo poder, o "há apenas uma regra: cace ou será caçado", se consagrará aqui, mas trocando o ç pelo ss? O castelo de areia (ou a casa de cartas marcadas) ainda não caiu, mas segue ameaçado pelas ondas do mar de lama e seus 50 tons de marrom. Fonte: Correio Braziliense de hoje

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