Estrela solitária

Sílvio Ribas Tal qual um alcoólatra recém-recuperado que acabou se afundando na recaída, o governo brasileiro está iniciando a sua ida para a clínica de reabilitação. O caos fiscal que consumiu a credibilidade do país, que deu resistências à inflação e que desmoralizou até o slogan oficial contra a pobreza deverá exigir dois anos de tratamento, até que o paciente seja considerado apto ao convívio social. Para percorrer o caminho de volta à normalidade, a presidente Dilma Rousseff já confiou ao futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a chave do armário das bebidas. Sob a alcunha de mãos de tesoura, o novo chefe da equipe econômica não terá apenas de fazer os cortes de gastos necessários à sobriedade das contas públicas. Mais difícil ainda será ter de, como diria Mané Garrincha, “combinar com os russos” qual o jogo deve ser jogado e, ainda, qual o placar desejado ao fim da partida. Botafoguense roxo, Levy recebeu a incumbência de não deixar que o país tenha a mesma sorte do seu time do coração: o rebaixamento. As agências de classificação de risco observam atentas da arquibancada cada lance na direção da retomada da transparência e do rigor das metas orçamentárias do Executivo referendadas pelo Legislativo. Quase 12 anos depois, outro ministro da Fazenda do ciclo petista terá de repetir o “não” de Antonio Palocci, toda vez que algum governista pedir para relaxar as despesas. Além disso, vai precisar escrever “grau de investimento” na trave de cima do gol adversário. Sem isso, o velho bebum arrumará logo um jeito de driblar a barreira e cair de boca na cachaça. Austeridade e abstinência são coisas chatas, mas insubstituíveis quando convocadas em nome da saúde de alguém ou, por analogia, de uma nação desnorteada. Para o Brasil, a porta de saída da doença está próxima. Mas depois dela vem uma escada. Levy sabe o que fazer e como fazer. Disse que tocará o barco de forma gradual, em harmonia com o time formado ainda pelo reconduzido presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, e pelo colega do Planejamento, Nelson Barbosa. O “banqueiro na Fazenda” será, contudo, uma figura improvável, a estrela solitária capaz de deixar no chão os beques parrudos do patrimonialismo, que engordaram no desenvolvimentismo dilmista. Pedaladas Antes de as medidas de arrocho entrarem em campo, a torcida a favor do país quer ver se a presidente da República decidiu ser só a cartola e não mais a treinadora/capitã do time. É Levy contra 10 ou 11 contra a estabilidade econômica. De tanto dar pedaladas fiscais, o artilheiro Arno Augustin, do Tesouro, acabou ajudando o país a levar uma goleada histórica. Foram quatro anos perdidos e restam poucas rodadas para saber se nos manteremos na primeira divisão dos mercados. E a pedreira que nos espera é ter de consertar o telhado em meio à chuvarada. Haja paciência para aguentar mais dois anos de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), até que o sol possa, enfim, voltar a brilhar. Tomara que a indústria brasileira ainda consiga ficar de pé ao fim dessa penosa jornada da cura interior. Por fim, queira Deus que o contexto global já adverso não degringole a ponto de impor sacrifícios ainda mais doloridos aos contribuintes e riscos ainda mais concretos aos trabalhadores. É desejável que o plano em elaboração por Levy e o insólito núcleo de transição entre governos de continuidade preveja reforços para os minutos de acréscimo. Fonte: Correio Econômico/Correio Braziliense de hoje

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