Deus menino

Por Sílvio Ribas O mais famoso aniversariante de hoje nasceu e morreu pobre. Ele veio de uma região árida e conturbada, onde povos há milênios disputavam e ainda disputam territórios e soberania. Sem exércitos ou prerrogativas de qualquer poder constituído, foi ao encontro de todo tipo de gente, abraçou os mais oprimidos e deu novo curso à história da humanidade apenas fazendo breves e compreensíveis discursos. Até hoje, dois mil e tantos anos depois, as palavras de Jesus (Yeshuá) de Nazaré, o Cristo, desconcertam valentões e poderosos e levam quase todos a refletir sobre o que é realmente importante nesta vida. A principal novidade na comemoração deste ano da chegada ao mundo de um personagem tão incomum e revolucionário pode estar no comando da igreja cristã mais antiga e mais influente. O líder católico Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, chega ao segundo Natal à frente do Vaticano com um histórico de feitos surpreendentes, proporcionados por uma postura inspirada justamente na figura simples, terna e de braços abertos do bebê judeu da Sagrada Família. Tal qual fez o Messias diante dos doutores da lei judaica, ele martela na tecla de que a mensagem de paz e de harmonia vale mais do que a aparência e o apego aos símbolos. Tornar o catolicismo mais espiritual e menos burocrático não é desafio fácil. De tempos em tempos, surgem papas reformadores, com a missão de reaproximar sacerdotes e fiéis, além de fazer o Evangelho virar prática cotidiana. Nos dias atuais, quando vaidades e tentações do gozo material estão entranhadas em todas classes sociais e países, os ensinamentos do Jesus histórico soam radicais demais. É por essa trilha de descobertas do essencial que Francisco peregrina. Ele questiona a razão de chefes de Estado sustentarem rancores entre nações por décadas, aponta a inutilidade de se cobiçar objetos caros e acolhe estranhos como irmãos. Francisco, que também faz aniversário este mês, agarra-se como poucos ao “Não julgueis” do Cristo. O papa argentino não condena pessoas pela maneira “errada” de pensar, agir ou se vestir. Prefere combater o fundamentalismo presente em todos os credos e filosofias, fazendo da própria vida uma mensagem. O deus menino na manjedoura é a imagem forte de simplicidade, de esperança e de apelo à renovação. Graça ao calendário convencional, com a festa natalina próxima à virada de ano, a ideia de recomeço com sorriso nos lábios sempre ganha um reforço. Fonte: Correio Braziliense, página de opinião, ontem, 25 de dezembro.

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