Pingo de razão

Por Sílvio Ribas Melhor pingar do que secar. O velho ditado popular parece ser a resposta que a maior parte dos menos favorecidos tenderia a dar se cobrada sobre os desafios colocados pela disputa presidencial e pelas incertezas econômicas. O Brasil conviveu tempo demais com profunda exclusão social, que só começou a ceder após a estabilização da moeda, há 20 anos. A atual maioria remediada, emergida também graças à transferência de renda e aos avanços no salário mínimo, até sonha em melhorar de vida ainda um pouco mais. Mas continua achando melhor garantir “pingos”, vistos como favor de governo, a arriscar tudo em mexidas, mesmo que elas visem garantir a sustentabilidade desses mesmos ganhos. A classe também chamada de média e situada logo acima dos totalmente desvalidos até esboçou uma postura mais crítica em relação às mazelas históricas do intercâmbio entre os setores público e privado. O medo dos desdobramentos de ajustes urgentes acabou levando, contudo, a rápidos recuos de opinião. A pesada e crescente carga de impostos e o pedágio da corrupção, que evoluiu para a casa dos bilhões de reais ao longo desses 25 anos de presidentes eleitos pelo povo, são vistos pelos milhões que ascenderam socialmente como algo a ser mudado. Mas esses mesmos cidadãos ainda interpretam o jogo político como embate de personagens e não como chance de confrontar ideias e ideais. Nesse movimento de autopreservação, o pingo de razão que começava a se brotar em favor da cidadania e da depuração dos equívocos e malfeitos também é o primeiro a evaporar. A poucos dias da eleição que escolherá o chefe do Executivo para os próximos quatro anos, o desfecho depende do tamanho da aversão ao risco dos filhos da inclusão verificada nos últimos anos. E os incluídos se revelam inseguros ou de posição vulnerável ao marketing de desconstrução de adversários. É exatamente o inverso do sentimento do mercado financeiro, que entra em pânico toda vez que a mudança perde para a continuidade. A castigada verdade sairá aleijada das eleições. Isso porque, para completar o quadro que levou a corrida de 2014 ao Planalto a ser a mais indefinida e agressiva desde a de 1989, se instalou de vez o fenômeno da dissonância cognitiva. Nele, pessoas tendem, consciente ou inconscientemente, a alterar ou relativizar fatos que afrontam suas convicções, buscando novas compreensões para aliviar conflitos de consciência e negar crenças opostas. Triste.

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