Nós x Eles

Por Sílvio Ribas A vida vale a pena pelos encontros que proporciona. Mas, lamentavelmente, em períodos carregados de incerteza e de conflagração como o do Brasil atual, a defesa apaixonada de posições pode levar até amigos íntimos a se enfrentar em público e de maneira desrespeitosa. É possível também que ressentimentos episódicos se avolumem ao ponto de desfazer antigos laços de afeto. Bastou serem confirmados os nomes dos dois candidatos à Presidência da República no segundo turno para que a polarização da política brasileira dos últimos 20 anos alvoroçasse ânimos e causasse danos ao bom senso e ao coração. As mobilizações espontâneas e estimuladas de gente atenta ao processo eleitoral, sobretudo na internet, chegam a assustar quem teme pelos desdobramentos trágicos e violentos do sectarismo. Mal as urnas esfriaram e cidadãos de todos os cantos e classes foram instados a declarar o seu “lado”, tal qual um estágio embrionário de uma fratricida guerra civil. A partir da resposta dada ao questionamento, argumentos contra e a favor das candidaturas são abafados e encaixotados em estereótipos. Nessas horas até parece que o mundo voltou a ser bipolar como nos tempos da corrida armamentista entre Estados Unidos e União Soviética. Para a maioria dos petistas e simpatizantes, quem vota pela saída de Dilma Rousseff (PT) do Planalto é reacionário, “de direita”, conservador ou insensível com a pobreza. Para a maioria dos defensores da mudança e que optaram pelo líder oposicionista Aécio Neves (PSDB), o eleitor da presidente é ignorante ou coloca o interesse pessoal (de preservar uma benesse estatal ou um emprego na máquina pública) acima do nacional. Das podas dos exageros desses “marlenistas” e “emilinistas” – fazendo uma alusão à divisão que havia no auditório da Rádio Nacional no fim dos anos 1950 –, sobram acusações desonestas, preconceitos arraigados e visões de mundo ultrapassadas. Em vez de discutir racionalmente saídas para as crises econômica e institucional do país, os engajados incrementam o tormento da patrulha ideológica, o medo do revanchismo em caso de vitória de A ou de B e a distância regulamentar de círculos sociais, para evitar o bate-boca gratuito. Tomara que as próximas disputas presidenciais não sejam reprises da atual. Caso contrário, teremos uma sociedade rachada ao meio como a venezuelana, enveredada num labirinto político que dificulta a superação de graves problemas nacionais e, ainda, ameaça a democracia. Fonte: artigo publicado no Correio Braziliense, na quinta-feira, 16 de setembro

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