Soja: liderança ameaçada

Por Sílvio Ribas
Os eventos climáticos extremos dos últimos meses — como chuvas torrenciais e secas prolongadas — ameaçam adiar, novamente, a conquista pelo Brasil da liderança mundial na produção de soja. Os sojicultores nacionais apostaram alto na safra 2013-2014, ampliando a área de plantio em mais um milhão de hectares, a maior parte no Mato Grosso. Mas a meta de colher a marca histórica de 90 milhões de toneladas está sendo desafiada há meses pelo mau tempo. “O clima já derrubou os ganhos de produtividade na temporada atual, sem falar da escassez de infraestrutura para escoar os grãos”, lamentou Glauber Silveira, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja). Segundo ele, esse cenário já está deixando operadores do mercado da commodity nervosos. Enquanto as estatísticas continuam sendo revisadas e os especuladores interferem nas cotações, o movimento das colheitadeiras se intensifica no campo para evitar novas surpresas que resultem em quebras na safra e, ainda, garantir um novo recorde, entre 86 milhões e 87 milhões de toneladas. Para isso, continua valendo a expectativa de um ganho de eficiência em relação à última safra, de três para 3,15 toneladas por hectare. “Isso garantia mais 3 milhões de toneladas apenas do Mato Grosso”, observou. A nova previsão permitiria, em tese, o país ultrapassar, enfim, a safra norte-americana da oleaginosa, estimada em 83 milhões de toneladas. Na safra 2012/2013, encerrada em julho do ano passado, o Brasil quase tornou-se o maior produtor mundial. Mas as perdas provocadas pela seca no Nordeste e pelo excesso de chuvas no Sul acabaram derrubando a produção nacional para 81,4 milhões de toneladas — apenas 0,7% menor que a dos Estados Unidos. Na atual colheita, os fatores adversos que pesaram se inverteram regionalmente, com cheias no Centro-Oeste e longa estiagem no Rio Grande do Sul e Paraná. Em razão disso, diversas consultorias nacionais e estrangeiras vêm reduzindo nas últimas semanas as suas projeções para a safra brasileira, apontando o clima como justificativa. Na última quarta-feira, por exemplo, a empresa de previsão de safras Thomson Reuters Lanworth, com sede em Chicago (EUA), reduziu sua estimativa de safra para 87,7 milhões de toneladas, ante 90,2 milhões da estimativa de 15 dias atrás. As negociações da safra que está sendo colhida atualmente desaceleraram nos últimos dias, com produtores segurando as vendas em razão das incertezas sobre o volume total a ser produzido no país. As expectativas de preços acima dos já elevados patamares, em parte devido à produção abaixo da esperada, também deixam os negócios mais lentos. “O pessoal em Mato Grosso está bem preocupado se dá para colher tudo. As estradas estão ruins, os armazéns estão lotados, tem muita soja precisando passar por secagem”, observou o diretor da consultoria SimConsult, João Birkhan. Enquanto a colheita matogrossense já atingiu 70%, no resto do país ainda está em torno da metade. Com acréscimos de terras antes destinadas a pastagens e plantio de milho, a área plantada atual chegou a 30 milhões de hectares. Essa marcha foi puxada pelo valor alcançado pela soja no ano passado, ainda girava em torno de R$ 80 a saca de 60 quilos, ante uma média histórica de R$ 40. “Esperava-se que este ano, a tendência seria de preços ainda melhores, mas as quebras mudaram essas trajetória”, explicou o presidente da Aprosoja. Ele ainda aponta como risco adicional às projeções uma eventual decisão de produtores americanos de soja migrarem para campos hoje tomados pelo milho. Enquanto a briga do Brasil com os Estados Unidos ganha novo round, no plano doméstico a expectativa é que Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul desbanquem o Rio Grande do Sul e o Paraná na liderança da sojicultura nacional. Os estados sulistas respondem por cerca de 40% da produção nacional, marca que começa a ser encostada pelo Centro-Oeste. “O Brasil vai se consolidar, nos próximos quatro anos, como o maior produtor de alimentos do mundo, e o Mato Grosso será peça primordial nesse novo patamar”, sublinhou Carlos Fávaro, presidente da Aprosoja-MT, Carlos Fávaro. De olho nas oportunidades de negócios com a soja brasileira nas próximas décadas, movidas pela perspectiva de maior demanda em mercados emergentes, particularmente os asiáticos, a divisão de grãos da Marubeni Corporation, a maior trading do mundo, anunciou recentemente mais investimentos na sua logística portuária no Brasil. Seu terminal voltado ao agronegócio no porto Terlogs, de São Francisco do Sul (SC), está prestes a dobrar de capacidade, aguardando apenas autorização da Secretaria de Portos. A companhia adquiriu 100% do capital do Terlogs em 2011 e, desde então, vem ampliando a operação portuária apenas com a implantação de um sistema de gestão mais eficiente. A ideia é saltar de pouco mais de 8 milhões de toneladas, para poder atender ao crescimento da demanda internacional. “Vamos investir recursos próprios na construção de um novo píer, que continuará sendo público, mas operado de forma privada”, ressaltou José Kfuri Júnior, presidente da Terlogs, ao Correio. As incertezas em relação à safra de soja nos EUA, comuns no meio do ano, costumam elevar a cotação do produto, influenciando diretamente os indicadores de inflação. Para o comércio externo, suas exportações têm grande relevância, com quase 70% do destino concentrado na China. Em fevereiro, os preços internacionais estavam 7% abaixo dos registrados em igual mês de 2013, contribuindo para o déficit de US$ 2,1 bilhão na balança comercial do mês passado. ENTREVISTA William Gallo, presidente da divisão de grãos da Marubeni O que levou a sua empresa a investir em um projeto de escoamento da soja brasileira para o exterior? stamos sondando oportunidades envolvendo o comércio internacional de alimentos, do qual o Brasil é um ator central, há muitos anos. Em 2011, adquirimos a totalidade do capital da Terlogs, operadora do porto de um terminal do Porto de São Francisco (SC), para oferecer uma alternativa e um reforço às exportações da safra nos estados do Sul. Neste sentido, espero que nossos investimentos se configurem em um bom modelo de competitividade, com a integração a outros modais, particularmente o ferroviário. Estamos chegando a uma capacidade annual de 10 milhões de toneladas, mas poderemos chegar a 16 milhões em dois anos. Qual é, na sua visão, o peso da relação comercial entre Brasil e China para o mercado futuro do grão? A China como maior importador, concentrando 70% da demanda global, e o Brasil como principal exportador tendem a aprofundar essa complementaridade nos próximos anos. É por essa razão que apostamos no grande potencial ainda a ser explorado nas safras brasileiras, sobretudo as do Sul. Não temos dúvida de que nossa operação no porto de São Francisco, em Santa Catarina, tem tudo para ganhar uma dimensão bem mais expressiva que a atual, puxada pelos negócios com a Ásia. Mas também há espaço para ampliar vendas de grãos para outros mercados emergentes, inclusive da própria América Latina. O senhor teria alguma recomendação a fazer ao país para aproveitar essas oportunidades comerciais? No que se refere à área logística, particularmente a portuária, as necessidades de investimento em infraestrutura são evidentes e o governo já percebeu a importância de parcerias com a livre iniciativa para superar esse obstáculo. As concessões de terminais, que tendem a ganhar ritmo, não vão só viabilizar a ampliação da capacidade de movimentação. Acredito que um dos principais efeitos positivos da operação privada está também em rápido aumento da eficiência e na visão de negócios.

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