Escambo do poder

Por sílvio Ribas Escalada da violência, nó cego na mobilidade urbana, risco iminente de apagão, jovens sem estudo ou emprego, Amazônia debaixo d’água, obras da Copa atrasadas... A lista de graves e urgentes questões nacionais não para de crescer. Mesmo assim, as duas principais legendas do condomínio partidário que governa este país estão neste momento profundamente engajadas apenas no vergonhoso escambo da governabilidade. Mas aí emerge a pergunta inconveniente: vergonhoso para quem? Donos de mandato popular se sentam em palácios da República para “discutir a relação” em torno de detalhes mesquinhos diante dos reais dramas brasileiros e não estão nada constrangidos em trocar favores e bicos calados por benesses, colocando e tirando bodes da sala a toda hora. O povo, por sua vez, parece não mais se escandalizar ou ultrajar com o que “aquela gente de Brasília” faz com a confiança que receberam. E lá se vai mais uma semana em que PT e PMDB tratam apenas de confrontar os respectivos interesses e umbigos, tendo as eleições de 2014 como o seu bonde comum morro acima. A acomodação dos pleitos puídos de cada lado é manejada sem qualquer pudor, tendo à frente a presidente Dilma Rousseff, que convoca aliados fiéis e achacadores para acertar detalhes do grande conluio. Os temas verdadeiramente dignos de tão laboriosa concertação estão em terceiro plano. Como em uma roda de pôquer, a chefe do Executivo toma e distribui cartas, ouve audaciosos blefes e paga para ver. Comando de ministérios nanicos, indicação de diretores de agências reguladoras, liberação de emendas parlamentares e renúncia de candidaturas majoritárias nos estados estão sobre o pano verde da coalisão. Essa jogatina evidencia que a presidente, o seu vice, o ex-presidente Lula, os chefes das duas Casas legislativas e outros caciques só pensam naquilo. Todos querem máquina de governo para uso de suas siglas e buscam tempo na tevê para comprimir adversários. Na exploração do pau-brasil, os portugueses davam bugigangas aos índios em troca das árvores que levavam para as caravelas. Meio milênio depois, a cobiça privada se sofisticou e é acompanhada pela mídia como uma novela sem mocinhos e sem mocinhas. Enquanto isso, as filas por atendimento nos hospitais, os engarrafamentos no trânsito, os assaltos à mão armada no ensolarado parque, os celulares que não pegam e toda sorte de negação à cidadania mendigam pela compaixão dos poderosos. Fonte: publicado no Correio Braziliense de ontem

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