Múltis brasileiras acuadas pelo Fisco

Por Sílvio Ribas As mudanças propostas pelo governo para ampliar a tributação sobre os lucros das multinacionais brasileiras no exterior estão agora nas mãos do Congresso e podem levar à suspensão imediata de investimentos das marcas nacionais em diversos mercados consumidores lá fora. Executivos de grandes empresas sob risco de serem diretamente afetadas pela Medida Provisória (MP) 627/2013 acuam o Ministério da Fazenda e a Receita Federal de não terem ouvido as suas repetidas reclamações e temem sérias perdas de competitividade no mundo. A MP, que tramita na Câmara e tem como relator o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), líder do partido na Casa, foi editada em novembro do ano passado. Pelas regras estabelecidas, quando a alíquota aplicada no país estrangeiro ficar abaixo do percentual cobrado em território brasileiro, de 34%, empresas como AmBev, BRF, Braskem e Odebrecht terão de recolher imposto adicional sobre os lucros gerados pelas suas operações no exterior. Uma multinacional brasileira presente no Reino Unido, por exemplo, terá o lucro naquele país tributado em 23% lá e mais 11% aqui. Sócios, administradores e consultores de grupos brasileiros entre os de maior presença global afirmaram ao Correio que o novo sistema de apuração e cobrança dos resultados de operações externas buscou única e explicitamente o aumento da arrecadação geral. Em contrapartida, o afiar de garras do Fisco em postos avançados de empresas com sede no país vai acabar, na avaliação deles, tirando qualquer incentivo aos investimentos no negócio internacional em si, na direção contrária de outras nações emergentes e fechando a porta para as iniciativas em gestação. O diretor de um grande frigorífico lembrou que uma subsidiária de um concorrente francês pagaria 40% menos de impostos que a empresa brasileira em determinado lugar do planeta onde ambas estão presentes. Assim, enquanto ela arcaria no fim US$ 34 milhões sobre um lucro de US$ 100 milhões obtido nesse país, a rival recolheria US$ 24,28 milhões. “A diferença é decisiva na maioria dos casos, sobretudo em mercados emergentes, que condicionam a abertura para a atuação de uma marca estrangeira a investimentos diretos e geração de empregos locais”, salientou. A legislação francesa prevê a incidência de apenas 5% de tributação sobre os dividendos distribuídos, como forma de incentivar a internacionalização das empresas do país europeu, sobretudo nas áreas de alimentos e varejo. “Se os parlamentares aprovarem o texto original da MP 627, ganharemos uma das regras fiscais mais duras para negócios no exterior, com significativo estreitamento das possibilidades de continuar competindo”, avaliou Bernard Appy, diretor da LCA Consultores, ao Correio. Segundo o ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, a fórmula se parece com a adotada recentemente — e já abortada — pela Nova Zelândia, que também não permitia a dedução dos lucros reinvestidos lá fora para fortalecer a presença no mercado atendido ou visado. Appy explica que, apesar de a legislação atual ser considerada imperfeita, as suas alterações podem agravar a desconfiança entre o Fisco e as contribuintes corporativas. Para piorar a divergência, os tratados internacionais assinados pelo governo brasileiro para evitar a dupla cobrança de impostos (bitributação) estão entrando em contradição. “Para as empresas, os acordos se sobrepõem à legislação doméstica, o que impediria a tributação do lucro auferido no exterior antes mesmo de sua distribuição aos sócios”, acrescentou. Insegurança A assessora jurídica de uma famosa marca brasileira no exterior alertou para os efeitos da nova lei sobre a atração de investidores para os papéis emitidos e de eventuais parceiros estratégicos. “A incerteza em torno dos contratos já firmados e em negociação pode fazer com que importantes recursos deixem de apoiar empresas do país e parem nas mãos de competidores delas”, observou. Além da perda de vantagens para se expandir no mundo, acrescentou ela, o apetite da Receita afetaria a remuneração dos sócios que compram ações das multinacionais em bolsas no Brasil e no exterior. “Apesar dos inúmeros documentos enviados ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e aos técnicos da Receita, e de reuniões realizadas nos últimos meses, o governo enviou o texto ao Congresso alegando que se tratava de um consenso, produzido por um longo diálogo com o setor produtivo. Isso não é verdade”, lamentou um assessor do presidente de uma multinacional. Ele reclamou, inclusive, de o assunto não ter tido a participação de representantes do Ministério do Desenvolvimento, que poderiam avaliar os efeitos nocivos do aumento da carga tributária nas operações externas. Valor agregado Fontes do governo discordam da tese de que o interesse da Receita é meramente arrecadador. Preferem dizer que a tributação extra pode inibir projetos de multinacionais de agregar valor no exterior de seus produtos básicos exportados a partir do Brasil. As empresas rebatem dizendo que os ganhos em escala para a cadeia produtora em solo brasileiro compensariam qualquer unidade de beneficiamento posicionada no mercado externo. Nos bastidores, os grandes conglomerados controlados por sócios brasileiros também fazem questão de apontar a indiferença da Petrobras e da Vale em relação aos impactos da MP 627 “por estarem mais interessadas em problemas do passado que do futuro”. Isso porque ambas estavam preocupadas com seus bilionários passivos fiscais e com as negociações para renegociar o acerto deles. A Vale, por exemplo, apresentou prejuízo recorde de R$ 14,86 bilhões no último trimestre de 2013, em virtude da adesão, em novembro, ao programa federal de refinanciamento de dívidas, o Refis, pelo qual assumiu um débito de R$ 22 bilhões referente ao pagamento de Imposto de Renda de controladas no exterior.
Foco nas fábricas Ao defender as mudanças na forma de tributar os lucros de empresas brasileiras no exterior, previstas na Medida Provisória (MP) 627/2013, o governo prefere evitar o embate direto com as multinacionais e ressalta que o alvo está no combate à migração de renda para países com baixa ou nenhuma tributação. Para o subsecretário de Fiscalização da Receita, Iágaro Jung Martins, a proposta do Executivo está em sintonia com as melhores práticas do mundo e ainda vai preservar investimentos diretos no país. “Buscamos dar tratamento isonômico a quem tem investimentos fora e dentro do país, pois não podemos incentivar um movimento de empresas rumo ao exterior, causando desemprego aqui”, assinalou o representante do Fisco em recente audiência pública realizada no Senado. Na sua opinião, a MP quer evitar situações vantajosas para quem opera no exterior em prejuízo das atividades dentro do país. Além da polêmica em torno da tributação mais pesada sobre o lucro das múltis brasileiras no exterior, a votação da MP 627/2013 esbarra em outros dispositivos polêmicos, como mudanças no Imposto de Renda de pessoas jurídicas, em contribuições sociais e em alguns regimes tributários. Martins lembrou que a globalização tornou as economias mais integradas e isso contribuiu para um planejamento tributário internacional abusivo. “Trata-se de uma patalogia cada vez mais comum na forma de arrecadação, que tem levado muitos países, não apenas o Brasil, a perder receita e enfraquecer a integridade do sistema tributário mundial. É algo parecido com a guerra fiscal do ICMS no Brasil”, comparou. Emendas O projeto já recebeu 513 emendas desde que chegou ao Congresso, em novembro. Apesar disso, o relator, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), prometeu fazer rapidamente os ajustes no texto, com a meta de votá-lo na comissão especial ainda este mês e nos plenários da Câmara e do Senado até o fim de abril. “Não passa do dia 30 de abril”, apostou. A MP também promove mudanças na tributação sobre os lucros auferidos por pessoa física residente no Brasil em países estrangeiros, além de uniformizar parte da legislação contábil e fiscal com normas internacionais e alterar a tributação de empresas brasileiras com filiais no exterior. O prazo de validade da medida provisória já foi prorrogado por 60 dias, a partir de 12 de fevereiro. Segundo a Constituição, desde a publicação, a medida provisória tem força de lei, mas perde a eficácia se não for convertida no prazo de 60 dias, prorrogável uma vez por igual período. No período em que tem vigorado, está sendo gerado um passivo que as empresas estão contestando administrativamente, com ganhos provisórios. Para o diretor do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Nelson Zafra, muitas das alterações propostas para a MP vieram em boa hora. Ele conta que elas já eram esperadas pelos contabilistas há seis anos, e as novas regras devem reduzir a burocracia e o peso de multas para as micros, pequenas e médias empresas. O representante da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), Carlos Pelá, também considerou positiva a simplificação dos processos de apuração e recolhimentos de tributos, pois “reduz a margem de erro e ajuda no planejamento, além de eliminar o potencial de contencioso”. Fonte: Correio Braziliense de hoje

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