Lágrimas de Misha

Por Sílvio Ribas Quem tem mais de 40 anos deve se lembrar com ternura das lágrimas vertidas pelo ursinho Misha, mascote olímpica de 1980, na festa de encerramento. Mês passado, a imagem pintada em Moscou por centenas de placas coloridas de um painel humano foi resgatada ao fim das esdrúxulas Olimpíadas de Inverno, em Sochi, cidade russa que também deve sediar, em junho, um encontro do G-8, o grupo dos sete países mais ricos e a Rússia. O noticiário desta semana me fez, contudo, imaginar as lágrimas de outro Misha, alcunha de Mikhail Gorbachev, um dos últimos estadistas vivos. Na sua renúncia ao comando de 15 repúblicas, no Natal de 1991, o pacifista derrotado disse na tevê que acreditava no futuro de democracia para o seu povo e no abandono definitivo do impulso intervencionista que marcara sete décadas da moribunda União Soviética (URSS). Com a escalada da tensão militar envolvendo Ucrânia e Rússia, irmãs banhadas pelo Mar Negro e separadas por interesses legítimos e espúrios combinados, não só a reunião do G-8 periga. O pior desfecho dessa crise econômica e política de alcance global seria o epílogo das seguidas investidas da ex-pátria mãe dos sovietes para recuperar papel protagonista do cenário internacional. Abusando da obstrução à crítica doméstica, do desrespeito às regras universais de convivência e das malandragens contra líderes estrangeiros que tentam enquadrá-lo, Vladimir Putin está perto de completar 15 anos no poder. Desde o tombo final do bêbado Bóris Iéltsin, o czar do século 21 vem consolidando o domínio da velha máquina autoritária, ainda movida a petróleo e a armas de todos os tipos. Seja como primeiro-ministro, seja como presidente, cargo atual, Putin usa das manhas adquiridas quando era agente secreto para, comendo pelas beiradas, não só se perpetuar no Kremlin, mas recuperar para o seu país um naco do temor que infundia nos tempos de “superpotência”. O planeta deixou de ser bipolar, mas os Estados Unidos vêm perdendo prestígio pós-queda do “Império do Mal” e pós-ascensão de emergentes como a Rússia, da sigla teórica Bric. A URSS acabou de forma melancólica, levando consigo a Guerra Fria. Desde então, nostálgicos burocratas e lobos à espreita de vácuos de influência tentam reverter a “rendição” ao Ocidente. A seu favor estão o apego atávico dos russos pela figura do grande líder expansionista e o segundo maior arsenal nuclear do globo. Lamentável, camarada Gorby. Fonte: Correio Braziliense de hoje

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