A dama da infraestrutura

Sílvio Ribas

Encarar desafios é com ela mesma. Aos 66 anos, 25 no Congresso, a senadora e vovó de seis netos Lúcia Vânia (PSDB-GO) decidiu dar uma guinada na carreira parlamentar, até então dedicada às obras sociais e ao desenvolvimento do Centro-Oeste. A senhora elegante, que cultiva culinária e decoração como hobbies, assumiu este ano o espinhoso papel de fiscal dos principais investimentos no país, seriamente afetados pela corrupção e pela burocracia. Como presidente da Comissão de Infraestrutura (CI), uma das mais importantes do Senado, ela construiu rara tribuna para confrontar temas polêmicos, como a renovação de concessões do setor elétrico, as obras da Copa de 2014, o trem de alta velocidade, a privatização dos aeroportos e, mais recentemente, a crise no Ministério dos Transportes.

Com trato cortês dispensado a todos, a oposicionista Lúcia Vânia presidiu número recorde de sessões da CI num semestre – 28 até o último dia 14, sendo 11 audiências sob forte pressão do governo. Para não perder tempo, ela impôs ritmo intenso à comissão, com média de duas sessões semanais, reservando uma para debates públicos e outra para votar 77 projetos e requerimentos. “O Planalto não quer discutir nada e joga pesado com sua maioria folgada para aprovar propostas sem dialogar com a sociedade. Só nos resta brigar pela mínima discussão”, lamenta. Rivais e aliados reconhecem que a experiente parlamentar surpreendeu e vem conduzindo com firmeza uma comissão vista como contrária ao seu perfil. Serena é o adjetivo que mais usam para defini-la.

Única parlamentar de oposição a presidir uma comissão permanente do Senado e também única mulher a ocupar este tipo de função na Casa, Lúcia Vânia se tornou a principal voz de defesa da lisura nos gastos em infraestrutura no parlamento graças ao jogo de cintura. “Meu estilo é conciliador”, ressalta ela, acrescentando que o governo “tem feito de tudo para esvaziar algumas sessões”. “Mas com muito jeito acabei convencendo senadores da situação sobre a necessidade de realizá-las”.

Sua chegada ao posto se deveu a uma combinação de desejo próprio, mas também da conjuntura. “Na fase atual da minha carreira, precisava tentar algo novo”, diz ela, reconhecendo que a redução substancial dos assentos de senadores oposicionistas a forçou a dar passo adiante na batalha política. Até o governo Lula, o Senado era a principal trincheira de resistência da oposição. Com a recente morte de Itamar Franco (PPS-MG), a bancada minguou para 18 das 81 cadeiras da Casa, devendo chegar a 16 este ano, menos de 20% do plenário.

Sem a companhia de dois dos mais combativos senadores da oposição nos oito anos do governo anterior, os tucanos Arthur Virgílio (AM) e Tasso Jereissati (CE), abatidos na corrida da reeleição pela campanha pessoal contrária do ex-presidente Lula, Lúcia ganhou novo status. “Os barulhentos (Tasso e Virgílio) fazem falta, mas não vamos recuar”, diz ela, que tem feito tabelinha na comissão com o novato Aloyso Nunes Ferreira (PSDB-SP). Com 23 membros titulares e igual número de suplentes, sua comissão é um retrato da teimosia.

Ela lamenta o cenário desolador da oposição no Congresso, o que torna difícil aprovar um simples requerimento. Mas se não fosse sua insistência, a recém-aprovada reedição do imposto RGR na conta de luz passaria pelas duas casas legislativas sem qualquer análise. A audiência pública sobre o tema, todos envolvidos falaram e até bateram boca. "A senadora não para. Sua rotina começa cedo pelos corredores, plenários e gabinetes e não tem hora pra acabar”, conta uma funcionária da CI. “Não é por acaso que ela é conhecida em Goiás pela persistência”, acrescenta.

Como sucessora de Fernando Collor (PTB-AL) na comissão, a mudança é mais radical. Ele priorizou os interesses difusos do marco regulatório do pré-sal e Lúcia Vânia chegou prometendo limpar a pauta em duas sessões. Quando a bancada do PSDB a escolheu para presidir por um ano a CI, em 18 de março, disse que iria priorizar a fiscalização das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e as referentes à Copa do Mundo e às Olimpíadas do Rio (2016). “O PAC é só portfólio de projetos existentes. E quem os fiscaliza ainda é chamado de atrasador de obra”, critica. Ela só não esperava que o escândalo nos Transportes engrossasse a sua missão.

Durante disputada audiência pública da CI realizada no último dia 12, o então diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antônio Pagot, negou envolvimento no esquema de corrupção na condução de obras bilionárias, liderado pelo Partido da República (PR). Nem cumpriu ameaças como homem-bomba. Mesmo assim, ao encerrar a audiência pública, Lúcia Vânia quis saber a opinião dele sobre o Regime Diferenciado de Contratação (RDC), instrumento criado pelo governo para driblar rigores da Lei de Licitações durante as obras da Copa. “Tenho dúvidas sobre o RDC”, disse um olímpico Pagot, hoje fora do governo.

Álvaro Dias (PR), líder do PSDB no Senado, avalia que os atuais êxitos de Lúcia Vânia resultam de qualidades já conhecidas da senadora. “Organizada, disciplinada e dedicada, ela conseguiu movimentar bastante a comissão, trazendo assuntos importantes para a pauta. Além de usar a experiência obtida no Executivo, também sabe ser ponderada e mediadora, exercendo sua função com imparcialidade”, detalha. Ele destaca como ponto alto a postura dela na reunião com Pagot. “A comissão poderá ser um palco relevante no segundo semestre para tirar dúvidas sobre esses escândalos”, aposta.

Até parlamentares do governo reconhecem o comando produtivo e equilibrado da goiana. Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) considera válida a insistência da colega em apreciar projetos despachados pelo Planalto, inclusive os de responsabilidade do ministro do Esporte, Orlando Silva, também do PCdoB. “A comissão de infraestrutura tem pouco tempo para debater temas importantes que chegam apressados para serem votados. E o mérito da senadora Lúcia Vânia está em aproveitar essas oportunidades. O debate que não ocorre no plenário do Senado e até mesmo da Câmara, pode ocorrer em audiências públicas”, sublinha.

Embora em lados opostos em relação ao governo, Delcídio Amaral (PT-MS) é um dos senadores a quem Lúcia Vânia mais recorre no dia a dia. Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), ele também reconhece a parceria e não poupa elogios à colega. “Com habilidade, a Lúcia acolhe contribuições de todo lado, sem perder o controle do tempo. Em razão da coincidência de temas, como obras controversas, nossas comissões têm trabalhado em conjunto”, conta. Ele diz também ter relação próxima com a “grande defensora do Centro-Oeste”. “Ela teve papel destacado na criação da superintendência de desenvolvimento (Sudeco) e, mais ainda, na criação de um banco de fomento para a região”. Outro ponto de convergência da senadora com governistas é o novo Código Florestal. “Sou de um estado agrícola e defendo os produtores”, explica-se.

A senadora é a segunda mulher a presidir a CI, depois de Emília Fernandes (PT-RS), de 1999 a 2000. Não é pouco se considerar que as mulheres ainda formam um clube restrito na Casa. São 43 em 187 anos de história, das quais 12 na atual legislatura. E para quem começou a trilhar seu caminho como primeira-dama de Anápolis, terceiro maior município em população de Goiás, a trajetória ganha contornos incomuns. “Continuo sendo uma entusiasta da vida pública e nunca estive tão otimista com o futuro do Brasil”, repete ela com bom humor.


PERFIL
Deputada federal por dois mandatos seguidos (1987 a 1995) e no segundo mandato de senadora, Lúcia Vânia Abrão Costa é jornalista formada pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Foi primeira-dama do estado durante o governo de Irapuan Costa Júnior (1975-1979), com quem foi casada e teve três filhos, nenhum político. Foi secretária nacional de Assistência Social, com status de ministra, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Se orgulha de ser responsável pela implantação da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) e pelo programa Bolsa Criança Cidadã que deu origem ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), levando crianças e adolescentes para salas de aula. Perdeu eleições para a Prefeitura de Goiânia, em 2000, e para o governo de Goiás, em 1995.

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