Agências reguladoras pedem socorro


Os recentes leilões de grandes aeroportos e a expectativa de novas concessões de infraestrutura à iniciativa privada, como grandes portos e o trem-bala, estão evidenciando as fraquezas das agências reguladoras. Criadas na segunda metade dos anos 1990 para coordenar o cenário descortinado pelas privatizações, sobretudo nos setores elétrico e de comunicações, as agências sofrem limitações de caixa e de pessoal, além de requerer respaldo legal para fiscalizar serviços concedidos e garantir contratos.

Os órgãos ditos autônomos também já vinham sendo alvo de ingerência política do Planalto a partir da década passada. Como golpe adicional contra a sua credibilidade, menos de 5% das multas que aplicam são efetivamente recolhidas aos cofres públicos. Este retrato de abandono estás traçado em auditoria recém concluída pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que aponta sérios problemas de gestão, orçamento e transparência. “As agências não estão prontas para lidar com uma inevitável nova fase de concessões”, alertou ao Correio o ministro José Jorge, autor do relatório.

Segundo ele, se essas autarquias especiais estivessem estruturadas de modo a garantir plena independência em relação às pressões do Planalto, de usuários e de grupos econômicos envolvidos, boa parte do esforço de fiscalização do TCU seria desnecessário. “A diferença a favor do tribunal é que ele acumula 120 anos de cultura de independência, enquanto as agências têm muito a evoluir”, comparou o membro do órgão de controle do Legislativo.

Ele defende a necessidade desses órgãos terem orçamentos próprios, desvinculados dos valores reservados pelo Orçamento Geral da União aos respectivos ministérios da área. “Para que tenham autonomia, é necessário que tenham autonomia financeira”, frisou o ministro, lembrando que, além de bloquear recursos destinados às agências, o governo costuma fazer o repasse só no fim de cada ano e não em parcelas mensais de igual valor. Quanto à autonomia administrativa, José Jorge sugere maior rigor por parte do Senado nas sabatinas de indicados pelo Executivo para cargos de diretoria.

O ministro do TCU também recomenda a aprovação do Projeto de Lei 3.337, de 2004, enviado ao Congresso pelo então ministro da Casa Civil José Dirceu, que estabelece um marco legal para as agências reguladoras. José Jorge disse que a proposta precisa de aperfeiçoamento, mas já corrigiria várias distorções. Uma delas é saber até onde uma agência pode atuar e qual atividade das concessionárias pode ser considerada atividade fim. “Concessionárias de telecomunicações e de energia praticamente não atendem mais o público. Quem troca lâmpada de poste ou antenas de celular são prestadores terceirizados”, lembrou.

A melhor amostra de prejuízos provocados pela falta de regras abrangentes para definir o alcance da atuação das agências está nas telecomunicações. Na semana passada, o Ministério das Comunicações reconheceu oficialmente sua incapacidade em lidar com as pilhas de papeis geradas pela fiscalização e regulação das emissoras de rádio e TV e delegou boa parte desses trabalhos à Anatel. O convênio assinado pelo ministro Paulo Bernardo e pelo presidente do órgão, João Rezende, vai agilizar cerca de 10 mil processos de engenharia que ainda aguardam solução, alguns há mais de 10 anos.

“A agência tem gente capacitada para lidar com aquilo que estava se perdendo na burocracia”, disse o ministro. O presidente da Anatel lidera, por sua vez, ampla reformulação da agência em virtude das rápidas mudanças do setor que regula. Rezende colocou em consulta pública proposta de nova estrutura administrativa, que prevê digitalização total de processos, mais regulamentos e sanções, além de adequar superintendências à convergência digital dos serviços e lhes dar mais autonomia.

“A regulação ainda é novidade, mas não pode continuar demorando a responder as demandas da sociedade”, completou Maurício Wanderley, secretário de Fiscalização e Desestatização do TCU, um crítico da forma como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) reagiu à descoberta de cobranças indevidas nas contas de luz entre 2002 e 2009. O diretor geral da Aneel, Nelson Hubner, rebate dizendo que sua principal missão é a de ser guardião da segurança jurídica do setor elétrico. “Tudo o que fazemos respeita legislações existentes”, sublinhou.

Neste sentido, Hubner considera “quebra de contrato” devolver até R$ 7 bilhões aos consumidores por supostos erros no cálculo dos reajustes de tarifas das distribuidoras, tema que está na pauta do plenário do TCU. O diretor argumenta que eventual ressarcimento pode levar a um salto de até 20% na classificação de risco do país ao sinalizar instabilidade regulatória, dando como exemplo o recente confisco pelo governo argentino do controle da subsidiária da petrolífera espanhola YPF.

Para ele, a melhor forma de corrigir desvios e ressarcir consumidores está nas revisões tarifárias, que já reduziram os ganhos de concessionárias em R$ 2,5 bilhões, em favor dos clientes. José Jorge, ex-presidente da Companhia Energética de Brasília (CEB), vê avanços da agência na ordenação do setor elétrico, mas reconhece suas dificuldades em regular empresas estatais. “Sócios privados sentem mais o peso das multas e os riscos de perder concessão”, resumiu.

O advogado Fábio Moura, especializado em infraestrutura, acredita que tensões como essas tendem a crescer na mesma proporção de novas concessões. “Para investidores estrangeiros que desconhecem o Brasil, agências reguladoras são um tranquilizador. Elas estão na lista dos quatro principais fatores na decisão de investir no país, com o potencial econômico no topo”, ilustrou. Além disso, ele sublinha a importância do poder regulador ser independente de todas as pressões, para cobrar com firmeza metas de concessões de 20 ou 30 anos, que duram mais além dos mandatos políticos.

A carência de estrutura das agências foi evidenciada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Seu presidente, Marcelo Guaranys, reconheceu após assinar recentemente os contratos de concessão dos aeroportos de Brasília, Campinas (SP) e Guarulhos (SP), que precisa de mais pessoal para fiscalizar os concessionários. As superintendências de regulação econômica e de infraestrutura aeroportuária, que desempenham essa tarefa, têm 220 funcionários. Concurso público já autorizado pelo governo levará a mais 170 contratados, que serão destinados prioritariamente à fiscalização.

José Luiz dos Santos, presidente da Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar), reclama da falta de condições para os órgãos cumprir com eficácia o seu papel de fiscalizar contratos. “Sem os recursos financeiros necessários, as agências não reúnem pessoal técnico capaz e em número suficiente para suprir suas demandas”, afirmou. Para ele, o setor elétrico é o maior exemplo do constrangimento gerado por cortes orçamentários de receitas obtidas nas tarifas pagas pelos usuários de serviços públicos. “Os recursos têm tido sistematicamente contingenciados”, protestou.

Apesar disso, Santos considera como maior dificuldade para os órgãos reguladores o próprio desconhecimento da população e de agentes de governos a respeito de sua função. “Esperam das agências ações que não figuram entre suas atribuições e os governos, por sua vez, colocam nas diretorias indicados sem o conhecimento exigido pela área regulada”, observou. Ele acredita que um marco regulatório para as agências federais terá reflexos sobre os órgãos dos níveis estadual e municipal.

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