18 anos do real

O real completou 18 anos neste fim de semana, descrevendo o mais longo período de estabilidade econômica da República, com o mérito de ter tornado preços compreensíveis no cotidiano do cidadão e possibilitado um país menos desigual, distribuindo renda entre pessoas e regiões. A democracia se aliou ao real e prosperou com ele, relegando desordens políticas e monetárias a um passado cada vez mais distante.

Prova do sucesso das metas de inflação, o câmbio flutuante e superavit primário, tripé construído no rastro do plano, durante os oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foi a sua continuidade nos quase dez anos seguintes das gestões petistas de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff. Continua também a expectativa de o país ingressar no clube dos desenvolvidos.

Ao alcançar simbolicamente a maioridade, a moeda forte e estável, que também criou as condições para avanços na área social, para o aumento da renda do trabalhador, para o florescimento do consumo e para a expansão da classe média, ainda é desafiada a fazer a economia brasileira crescer de forma sustentada e duradoura. O câmbio valorizado, que já criou constrangimentos ao longo da história da moeda, tornou-se apenas um dos obstáculos ao progresso real, resumidos no chamado Custo Brasil. Os juros ainda elevados também mostram que muita coisa ficou pelo caminho.

Empresários, especialistas, pessoas comuns e mentores do mais bem sucedido plano de estabilização da história ouvidos pelo Correio nessa série de reportagens A Maioridade do Real são unânimes em constatar as vitórias acumuladas pelo real, apesar das várias crises externas que sofreu desde a década de 1990, incluindo a atual, centrada na crise fiscal da Zona do Euro. Se por um lado a economia estável deu margem à expansão de negócios e investimentos em quase duas décadas, por outro ela não tem agora mais como deixar de encarar novo patamar de competição global.

O atual governo já tem adotado medidas conjunturais e acena com outras estruturais para estimular a economia, retomar a competitividade perdida da indústria e corrigir pontos frágeis à concorrência externa. Mas tal qual ao indivíduo que chega à vida adulta, a estabilização requer decisões firmes que garantam a efetiva independência. Com isso, a nova pressão do cenário externo adverso dá um peso estratégico à agenda de reformas estruturais defendida desde o começo do Plano Real, como as dos sistema tributário e previdenciário.


O ex-ministro da fazenda Delfim Netto também entende que as conquistas do real obtidas até agora são insuficientes para fazer o país avançar no atual cenário internacional. Para ele, o Brasil precisa lidar com uma realidade dominada pela China no comércio global e “baseada em preços políticos e não de mercado”. “A competitividade da economia brasileira não depende de estímulos, mas da retirada dos pesos colocados nas suas costas, como juros, câmbio e impostos. É inútil brigar com os números, por mais desagradáveis que sejam. Problemas estruturais se resolvem com reformas estruturais”, resume.

A economia pós-real ficou mais ágil, aberta e diversificada, mas já não consegue mais competir em um mundo absolutamente novo, com países emergentes que crescem o dobro do ritmo brasileiro e países desenvolvidos estagnados em atoleiros fiscais. A desaceleração acelerada é o retrato mais triste deste processo evidenciado pela crise econômica global de 2008 e 2009, após sete anos de bonança internacional nos quais o país colocou a agenda de reformas no fundo da gaveta.

“Só nos últimos quatro anos a indústria nacional perdeu US$ 100 bilhões para competidores do exterior”, ilustra o economista Eduardo Gianetti da Fonseca. Segundo ele, o país perdeu e perde competitividade de forma rápida e perigosa e o consumo não mais ajudará a retomada do crescimento. Ele e outros analistas defendem radical desoneração da produção, três vezes mais tributada que a média da economia e ainda agravada por insumos básicos e mão de obra encarecidos por outros tributos. A soma de todos esses entraves é a constatação de um limite anual ao crescimento na casa de 4%. A simples tentativa de ir além disso, gera inflação ou descontrole nas contas externas.

Fonseca defende o deslocamento da pesada carga tributária para o consumo, para viabilizar não só a competitividade, mas sobretudo um salto de investimento produtivo e dos empregos formais. Para Júlio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), essa mudança é urgente para que o setor produtivo não deixe de contribuir de vez com o crescimento. “Precisamos voltar a ter foco em comércio exterior e produtividade e ainda investir pesado na inovação. O país já requer reindustrialização, em acordo com as atuais tendências tecnológicas”, acrescenta.

Para Augusto Espeschit de Almeida, presidente da ArcelorMittal Aços Longos América do Sul, subsidiária do maior grupo siderúrgico do mundo, o atual cenário de concorrência entre as economias globais “impõe novos desafios às empresas”. “O Brasil, cujo real nos alçou a novo patamar, precisa enfrentar a necessidade de reformas estruturais para continuar a avançar nas conquistas econômicas e sociais obtidas até aqui e a ter papel destacado entre as principais economias do mundo”, acrescenta.

Menos otimista, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, do Grupo Gerdau, acha que o país precisa continuar vigilante para não permitir o retorno do dragão inflacionário, alimentado por desequilíbrios das contas públicas, controladas hoje em meio a fortes pressões para afrouxá-las. “Jovens com menos de 30 anos talvez não consigam imaginar como é viver num país onde o dinheiro compra só metade das coisas que podia adquirir 30 dias antes, por exemplo”, lembra.

Comentários