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Mostrando postagens de 2023

2024: Esperança versus Vingança

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De um diálogo de programa infantil da TV Cultura pesquei uma frase que iluminou meus pensamentos. Ao concluir o quadro, o personagem proclamou a sabedoria de que "aliança impulsiona progresso, enquanto vingança conduz a retrocesso". É isso! Esperança rima muito mais com aliança do que com vingança. Num mundo assolado por guerras comerciais e bélicas, tanto frias quanto quentes, e em um país marcado por profundas divisões políticas e ideológicas, é crucial encontrar refúgio para nutrir a tal da esperança. Sem ela, tudo se desgasta, implode e vira cinzas. A política, antes de se tornar a arena da contenda entre visões opostas e uma alternativa civilizada para confrontos mortais de desacordos, é também a busca pelo bem comum, um esforço de conciliação em torno do que deveria unir a todos. Democracia é sinônimo de tolerância, liberdade de expressão e respeito coletivo pelas individualidades. Tudo o que se opõe a isso, mesmo sob a bandeira da liberdade e da democracia, age como ve...

Quatro dígitos, mil telefonemas

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  A ficha caiu para mim quando, vasculhando documentos antigos em meus arquivos, me deparei com o aviso mimeografado da companhia telefônica que atuava em Curvelo (MG), datado de 1966. Aquela verdadeira relíquia me fez perceber quão fantástica foi a revolução nas telecomunicações que testemunhamos ao longo das últimas décadas. Telefonar era explorar. No início, os nossos lares eram identificados no catálogo da cidade por apenas quatro números. Depois, vieram os três do prefixo (721) e, apenas mais recentemente, o algarismo 3 foi adicionado antes de tudo. O aparelho vinha da operadora da telefonia fixa, sempre na cor preta. Aquele artigo pesadão e imponente tornava nobre o seu canto na casa. Trim-trim-trim! Durante os anos 1970 e 1980, durante a minha doce infância no sertão mineiro, o confiável telefone da estatal Telemig representava a tecnologia mais moderna e mais próxima para nossos contatos à distância por voz. Era algo muito distante da onipresença dos smartphones nos dia...

Sujismundo em Inimutaba

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Lembro do simpático Sujismundo não pelos comerciais da tevê, mas pela sua imagem pintada nos cestos de lixo da Praça Central de Inimutaba, cidade vizinha de minha Curvelo (MG), aonde íamos com a família tomar sorvete ou visitar um açougueiro amigo de meu pai. Criado em 1971 pelo publicitário Ruy Perotti Barbosa para uma campanha do Ministério da Saúde voltada à limpeza urbana, o personagem não tomava banho, vivia rodeado de mosquitos e tinha o mau hábito de jogar papel na rua. Com o slogan “Povo desenvolvido é povo limpo”, ele servia como exemplo de comportamento a ser condenado. Acho que também tinha uma mensagem do tipo “cidade limpa é a que se suja menos”. Exibido em comerciais animados de 60 segundos, entre 1971 e 1972, Sujismundo tornou-se tão popular que acabou gerando dúvidas sobre a sua eficiência. Sua irresistível simpatia parecia incentivar a sujeira ao invés de combatê-la, diziam alguns. Outro caso semelhante foi o da baratinha do Rodox, com muita gente solidária na agon...

Chove em Paris

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Nos meus primeiros anos de Sampa morei (e vivi) num aconchegante apartamento de dois quartos na Princesa Isabel, uma simpática rua do Brooklin. No corredor para a escada e os elevadores, que dava para a porta da minha única vizinha de andar, uma gentil senhora portuguesa, havia um quadro com uma gravura. O adorno era a reprodução de um quadro sob o título de Paris Sous La Pluei (Paris sob a chuva). Infelizmente, o nome do artista me escapa. O fato é que recordo vividamente daquela paisagem encantadora da Cidade Luz. Já havia visitado a capital francesa em 1996, três anos antes de chegar à terra da garoa e de cruzar todo dia com aquela janela para uma paisagem nublada e colorida. O quadro só dava mais saudade e mais vontade de embarcar no primeiro voo. Não me recordo mais porque tive uma única discussão com a moradora da frente, muito menos do nome dela. Não sei ao certo como era a moldura do quadro, mas tenho a impressão de que era branca e com detalhes em relevo. Não tenho também ...

A dança da zebrinha

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Inesquecíveis são os brinquedinhos de madeira ou plástico articulados e controlados por elásticos internos. Com certa prática é possível fazer a zebrinha, a vaquinha e a girafinha serem trazidas à vida.  Tal qual uma marionete, esses bonequinhos se movimentam perfeitamente. Como não recordar de meus tempos de menino em Curvelo (MG), quando sentia a alegria de ver esses pequenos bonequinhos dançarem habilidosamente sobre um barril? Uma verdadeira arte lúdica em miniatura! É interessante notar que, além das versões mais tradicionais, havia até mesmo opções politicamente incorretas, como os bonecos retratando defuntos que se levantavam de caixões. Também tinham aqueles trapezistas que ficavam rodopiando entre duas hastes de madeira, bastando apertar a base delas. Essas peças são uma curiosa expressão da diversidade de brinquedos da boa época, que nos faz refletir nos dias de hoje sobre as mudanças nos padrões sociais. Os colecionadores certamente apreciam a singularidade desses ar...

A terra da poeira

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Outrora chamada de "a terra da poeira”, Curvelo (MG) é lugar onde memórias ecoam no ar que nem canção antiga. Minha cidade natal ainda guarda encantos nostálgicos, quase místicos, dos tempos quando a passagem do automóvel "alevantava o poeirão" das suas ruas feitas de chão. Os versos da bela canção "O Galo Cantou na Serra", composta pelo curvelano Luiz Cláudio e cantada por ele (ou Nara Leão), invadem meu peito e o enchem de orgulho e saudade. Quando fui morar em Belo Horizonte, no fim dos anos 1980, ouvi da dona da Pensão da Tia Nem, reduto dos conterrâneos na capital situado à Rua São Paulo: "seja bem-vindo a esta casa mais um filho da terra da poeira". A combinação de calor, secura e vias sem calçamento criava transtorno urbano, mas também inspirava artistas e nos ajudava a exibir um inusitado traço de pertencimento. As partículas de solo que invadiam nossas casas, comércios, igrejas e demais recantos exigiam dos responsáveis pela limpeza em ge...

Orgulho de Curvelo

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    Mais um filho do Curvelo, assim me vejo Mais do que bairrista, sou sertanejo Mais real do que os olhos podem ver, desejo. Tradição e curtição em harmonia Costumes e curtumes, alegria Zelo eterno por Curvelo, poesia. Causos que encantam e divertem Famílias que se unem e protegem Geraldos, como flores, florescem. Poeira nas vias e nas veias, a história Gado e caminhões leiteiros, nossa glória Pequi nos pés e mangaba na bacia, vitória Fé no Santuário, na Matriz, trajetória. Morena brejeira, três vezes guerreira Com bravura e teimosia, nossa bandeira. Tiro, facada e pompa na lida Viola, baile, catira e forró na vida. Terra de escritores vorazes, inspiração Terra de ardores infinitos, coração Terra de paixões tenazes, fixação. Onde Minas se encontra com os Gerais Onde sombra e sol lutam com punhais Onde Deus, na paisagem, se faz igual Onde o amor, profundo, faz-se banal Onde a comidinha é festa, assim Onde céu e alma têm mais estrelas, festim Onde rancor é teimoso, persistente ...

A velha tesoura preta

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Ela se instalou solenemente na pensão de Arminda, em Curvelo (MG), como um mistério que perdura há décadas. Ninguém soube ao certo como ou de onde veio aquela grande e preta tesoura de ferro. Uma das versões mais aceitas é a de que um parente a trouxe no fundo da sua viajada mala, vindo da Europa no fim do século 19, como presente de um amigo alfaiate. O pesado, pontudo e cortante artefato se tornaria uma especial testemunha da nossa história familiar.  Como elo atemporal entre gerações, a velha tesoura segue desafiando o tempo, cortando papeis, panos e outros materiais que fazem parte da rotina da minha casa natal. Minha mãe, desde sua mais tenra infância, guarda memórias da tesourona que viajava entre cidade e fazenda para cumprir variadas funções nas mãos de cozinheiras, costureiras, parteiras e floristas. Para mulheres de ofícios diversos, a ferramenta sempre afiada se mostrou uma incansável aliada.  Robusta, pronta para qualquer desafio, ela se deslocava de um lugar para ...

Vida sertaneja

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Sílvio Ribas No caminho da vida, uma virada esperada: a fase adulta, Nas páginas do livro da existência, uma trajetória resumida, Com estudo como guia e trabalho como ferramenta, As angústias do momento moldaram a caminhada.   Na trilha sinuosa das probabilidades, frustração não planejada, Encontro obstáculos imprevistos que testam a coragem, Mas com determinação, segui adiante, mesmo na estrada Que me levou a lugares inesperados da viagem.   Seguindo a jornada, na vereda iluminada: frutos colhidos e alívio, Encontro tesouros na família, laços que nunca se desfazem, E nos encontros amorosos, descobri o calor da paixão compartilhada, Cada capítulo, uma história, cada passo, uma lembrança.   Sonhos erguidos, com esperança renovada, restam moedas na algibeira, Sabedoria ganha e experiência testada a cada curva do trajeto, Arma na cintura, para enfrentar desafios com bravura, E fé no muito batido e abatido coração, sempre no rumo do abrigo....

Tradição das barracas na beira de estrada

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  A feirinha à beira da estrada de São José da Lagoa, distrito da minha Curvelo (MG), foi um cativante quadro emoldurado pelas janelas de carros e ônibus do meu passado. Lá nos anos 1970 e 1980, quando percorria a sinuosa BR 135, as margens de seu asfalto se transformavam em um mágico mercado a céu aberto, um mostruário completo da diversidade da nossa terra, onde a oferta de pequenos produtores rurais variava conforme as estações. Nas prateleiras improvisadas, frascos de pimenta, óleo perfumado de pequi e conservas caseiras exibiam suas cores tentadoras. Bacias transbordavam com jabuticabas, cajus, tamarindos, mexericas, jambos, pequis e mangas, cada uma guardando o sabor do cerrado. Garrafas de mel, potes repletos de alho e tempero, bem como as frutas típicas do interior, cativavam nossos sentidos. Essas gostosuras puras enriqueceram nossa cultura sertaneja. Não era incomum encontrar artigos artesanais, verdadeiras obras-primas do trabalho manual: gamelas esculpidas com esmer...

Grandes coisas que coisinhas dizem

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  Como é bom relembrar os dias em que os nossos sorrisos se abriam na mais pura inocência e a nossa imaginação voava por todos os cantos do lar. As carruagens das memórias agora me transportam de volta à infância em Curvelo (MG), lá nos distantes 1970s e 1980s, quando coisinhas diziam grandes coisas. Em meio a tantos fetiches doces, recordo da velha canequinha plástica azul, com borboletas pretas pintadas, largada no fundo da lata de açúcar e com as suas crostas de cristais fixadas pelo tempo. Enchê-la era a parte preparatória do ritual de coar café. Depois, era só fritar sonho, assar broa e até cozinhar milho verde. Da cozinha para o quarto vejo os álbuns de figurinhas, com o bonitão da Disney em destaque, só esperando eu trocar as repetidas e comprar as novas. Perto dele, o jarrão colorido de porcelana sobre a cômoda guardava rabiscos, trocos de padaria, lápis e tralhas esquecidas. Sob a cama, jaziam tampinhas de garrafa, que, fincadas no isopor, viraram coleção de raridades....

Saudosa bicharada

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  Quando éramos crianças naquela pequena Curvelo (MG) dos anos 1970 e 1980 o nosso espírito desbravador nos punha em contato constante com seres que parecem hoje uma saudosa fauna de tempos perdidos. No quintal, dentro do lar, nas ruas e na zona rural, tínhamos à disposição um mini zoo que agora povoa a minha mente na forma de doces memórias. A bicharada deixou saudades. Os dias e as noites de travessuras e descobertas tinham fiéis companheiros de quatro patas e poucas raças. O cão pequinês da velha senhora, sempre na janela, fazia o papel de vigia das nossas brincadeiras na calçada. A missão do cachorro vira-latas era perambular entre mesas de boteco nas madrugadas, ganhando petiscos graças à cara de pidão. Bonito mesmo era o pastor alemão da Polícia Militar.   Todos os penados da família eram protegidos em gaiolas colocadas próximas ao teto antes de o sol se pôr, distantes dos olhares maliciosos dos felinos. Os gatos, com as suas longas serenatas noturnas, tiravam o...

Fon-Fon! O padeiro chegou!

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A nostálgica melodia da buzina ecoava pelas ruas de Curvelo nas tardes dos anos 1970 e 1980, anunciando a chegada do pão quentinho e saboroso. Cristiano, o carismático padeiro, com a sua bicicleta que mais tarde deu lugar a uma robusta Vespa, oferecia um serviço que combinava qualidade, conveniência e preço acessível. A rotina dos moradores consistia em aguardar ansiosamente a apitada da buzina, momento em que minha mãe, a empregada e a criançada corriam até o portão de ferro para receberem os deliciosos pãezinhos de sal e doce, e às vezes, agraciados com bolos, roscas e broas. As ruas de minha cidade natal ainda calçadas de pedra testemunhavam essa tradição, e a fidelização da clientela era uma certeza, afinal, a qualidade do pão de Cristiano era inigualável. Com seu jeito simples, trajando calça jeans surrada, camisa de malha barata, jaqueta de couro e boné, o padeiro estacionava sua bicicleta, moto ou Fusca, dependendo da época, carregando centenas de pães cuidadosamente acomodados ...

O som do sonrisal

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  Do momento em que giramos a chave de ignição da vida ao instante em que puxamos o derradeiro freio de mão, viajamos por experiências feitas de coisas banais que muito dizem sobre nós, nossa terra e nossa época. No retrovisor vejo um rastro de pequenas preciosidades deixadas para trás pela minha infância e adolescência em Curvelo (MG), que ainda trazem saudade. As gotas de cera amontoadas no castiçal eram, por exemplo, pequenas joias que iluminavam momentos especiais, deixando lá a sua marca indelével. Lembro, sobretudo, do som do Sonrisal, alívio efervescente do embrulho estomacal, e do apito do trem avisando partida rumo a destinos e desatinos. Também recordo dos farelos dourados da empada deixados por mordidas com olhos fechados e do papel roxo envolvendo a nobre maçã importada.   E como esquecer do véu branco da cerveja antes de refrescantes goles ou das gotas de sereno estacionadas no capô do fusca ao amanhecer na roça? Liga de borracha para juntar notas de dinheiro ...

Mohogany Blue and me

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  #TBT  FORA DE HORA:  #BourbonStreetMusicClub Nesses 469 anos de  #sampa , onde vivi por quatro agitados anos, entre o século passado e este, relembro um dos lugares que mais amava frequentar lá. Bourbon Street, em  #moema , onde também morei, rolava shows com astros nacionais e estrangeiros do  #jazz , como  #Jô  Soares e o Quinteto, além de ser santuário da música. Em 1999, uma das atrações que mais gostei foi a banda  #MohoganyBlue , trio de irmãs nascidas e criadas em  #neworleans . Yadonna, Lanita e Dorene Wise arrasam. Inesquecível!

O sujeito da oração

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A primeira pessoa do plural pode atuar como sujeito gramatical em uma oração. E no contexto espiritual, também podemos considerar nós mesmos como sujeito da oração. Ao abstrairmos o conceito religioso, onde Deus é o protagonista, percebemos que o ato de orar desempenha um papel significativo no controle do nosso dia a dia e na manutenção das nossas expectativas. Em meio às dificuldades, fechamos os olhos e nos conectamos com algo indescritível, que habita e persevera em cada um de nós. A oração revela-se como fonte de encorajamento e inspiração para pessoas de diferentes perfis, capaz de promover a paz interior, a autorreflexão e a busca por significado. Independentemente das crenças individuais, aqueles que oram se convidam a transcender a si mesmos, a mergulhar em sua própria essência e a descobrir um caminho em direção à serenidade. Não é sem motivo que o filósofo ateu Alain de Botton admite sentir inveja das pessoas de fé, pois elas mantêm valores e nutrem esperanças. Em um art...

Curvelo na crônica política

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  A coluna de política Bastidores do Poder, do renomado jornalista alagoano radicado em Brasília Cláudio Humberto, publicada em diversos órgãos de imprensa do país, tem guardada em seus arquivos saborosas notas protagonizadas por curvelanos. Vejam algumas delas:   14/12/2002 FALA, RAIMUNDA! Raimunda Vila Real, 77, ex-cozinheira do músico Sérgio Mendes, deveria ser convocada para uma CPI. A mineira de Curvelo, que penou por um lugar ao sol nos EUA, revelou a um jornal local que se revezava entre Rio e São Paulo, para almoços e jantares secretos de ricaços, onde ouviu coisas do arco-da-velha: “Eles roubavam o Brasil.”   07/11/2002 O SEGREDO DO PODER Empossado governador de Minas, nos anos 40, Milton Campos marcou audiência com uma comissão de correligionários de Curvelo, à frente o deputado Raimundo Sapateiro, o único trabalhador eleito pela UDN. Como Campos demorou a receber o grupo, Sapateiro acabou cochilando numa confortável poltrona da ante-sala. O própri...

Partidas e chegadas na rodoviária de BH

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Quando criança e adolescente, lá nos distantes anos 1970 e 1980, costumava frequentar a rodoviária de Belo Horizonte. A necessidade de viajar de minha terra natal, Curvelo (MG), para a capital do estado dono da maior malha rodoviária do país nos fazia passar tempos de espera naquele grandioso lugar.  Cheguei diversas vezes pelos ônibus da Viação Santa Maria (BPA), concessionária da linha regular, e por outras pouquíssimas vezes pelos da Pássaro Verde (Diamantina) ou da Gontijo (Montes Claros). As viagens para consultas médicas, exames, visita a parentes, compras de artigos especiais, solucionar questões burocráticas e até mesmo passeios nos proporcionavam experiências interessantes. A grande banca de jornais me trazia novidades de gibis e outras publicações. O bagageiro automático parecia ser a coisa mais sofisticada do mundo. E as lojas de suvenires de Minas despertavam curiosidade e orgulho. Pasteis, coxinhas e pães de queijo vendidos nas lanchonetes do colossal prédio de doi...

A poeirenta via láctea do sertão

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Enquanto a jornada transcorria, atravessando paisagens remotas do sertão profundo, me via como nômade tuaregue sentado na carroceria coberta do antigo caminhão leiteiro. Com corpo e roupa tingidos de ocre pela espessa poeira que me envolvia, evocava o povo guerreiro do norte africano. Boca e nariz cobertos por panos, tal qual viajantes que, há séculos, desbravam as dunas do deserto do Saara em caravanas de camelos, eu fazia naquele início dos anos 1980 o nostálgico e intermitente trajeto de Curvelo até a porteira da fazenda do meu avô paterno, Walmiro, na simpática Monjolos. A peculiaridade daquela aventura cabocla começava com a tampa do latão de leite, rígido círculo com trave transversal que servia de assento. De igual maneira improvisada, cordas faziam as vezes de barras de apoio usadas por passageiros de ônibus. A mercearia do Xavante, no Beco da Pensão Horta, era, por sua vez, a rodoviária dessa viação informal com linhas regulares para fazendas e sítios fornecedores de leite f...

As aventuras de Zé Curvelindo

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  Walter Mosley, escritor americano, ensina: a verdadeira existência de um povo está na literatura. Para os nascidos ou adotados por Curvelo (MG) esta existência começa a ser vivenciada graças a obras como “Causos, Contos & Prosa” (Elta Books, 2023). Sob o pseudônimo de Zé Curvelindo, o autor Geraldo Magela de Faria não só resgata a história de H maiúsculo, mas também capta a essência de uma cidade que é, nas palavras do escritor João Guimarães Rosa, a capital da sua literatura. Para esse nobre feito, Faria mergulha na vida cotidiana, cujos detalhes revelam povo único. Egrégora! Como personagem, Zé Curvelindo torna-se avatar tanto para o seu criador quanto para o leitor, levando-os numa jornada aos anos 1970 e 1980, e até mesmo antes disso, rumo a uma pacata Curvelo que se orgulhava de seus dotes culturais e culinários, da força de sua pecuária e dos seus festejos, além dos seus cidadãos ainda mais inesquecíveis. Não faltam exemplos para nutrir o orgulho dessa gente orgulhosa...

Curvelo na capa de Gazeta Mercantil

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Em junho de 2001, a Gazeta Mercantil, um dos mais importantes noticiários econômicos do país, trouxe reportagem curiosa assinada pelo saudoso repórter mineiro José Roberto Alencar que levou Curvelo (MG) para a capa do jornal, que deixou de circular 10 anos depois. A matéria destacava o inusitado patrocínio da bolsa eletrônica Nasdaq à tradicional festa de São Antônio em Curvelo (MG), cidade natal do diretor brasileiro da bolsa sediada em Nova York (EUA). Alencar, conhecido por suas habilidades investigativas e perspicácia, topou minha sugestão de pauta e a sua reportagem chamou a atenção do público, curioso em saber qual a relação entre a bolsa internacional e a festividade local. O improvável de uma quermesse tradicional como a de São Antônio, numa cidade do interior de Minas, ter patrocínio de uma instituição financeira ligada aos grandes negócios tecnológicos, mereceu saborosa redação do talentoso repórter.