Quatro dígitos, mil telefonemas

 


A ficha caiu para mim quando, vasculhando documentos antigos em meus arquivos, me deparei com o aviso mimeografado da companhia telefônica que atuava em Curvelo (MG), datado de 1966. Aquela verdadeira relíquia me fez perceber quão fantástica foi a revolução nas telecomunicações que testemunhamos ao longo das últimas décadas. Telefonar era explorar.

No início, os nossos lares eram identificados no catálogo da cidade por apenas quatro números. Depois, vieram os três do prefixo (721) e, apenas mais recentemente, o algarismo 3 foi adicionado antes de tudo. O aparelho vinha da operadora da telefonia fixa, sempre na cor preta. Aquele artigo pesadão e imponente tornava nobre o seu canto na casa. Trim-trim-trim!

Durante os anos 1970 e 1980, durante a minha doce infância no sertão mineiro, o confiável telefone da estatal Telemig representava a tecnologia mais moderna e mais próxima para nossos contatos à distância por voz. Era algo muito distante da onipresença dos smartphones nos dias de hoje. Fazia um barulhão na chamada e precisava ser limpo como objeto de decoração.

Desembolar o longo fio do gancho enrolado que nem rabo de porco costumava dar trabalho. O macete ela deixar os fones pendidos, rodopiando no ar até que o cabo estivesse todo esticado. Nesse intervalo dava para ouvir o “tu-tu-tu” de ocupado ou o “tuuuuu” de linha aberta. Será que os jovens de hoje valorizariam a experiência de “discar” um número? E de ficar olhando um objeto inerte à espera de dizer “alô”?

As conversas telefônicas, agora também cada vez mais escassas, eram um luxo reservado a algumas famílias curvelanas que tinham sua linha própria em casa. A propriedade de um telefone em casa nos tornava sócios da companhia prestadora do serviço e ainda era considerado um bem valioso, a ser mencionado no patrimônio pessoal, nos testamentos e em transações.

As listas telefônicas, com encadernados cheios de publicidade local, serviam com suas páginas amarelas de fonte curiosa para identificar conterrâneos e obter endereços para fazer visitas, confirmar entregas de pedidos e até enviar cartas. Isso tudo sem falar, obviamente, da busca por informações sobre produtos e serviços dos estabelecimentos locais. Apesar disso, nunca deixamos de encher os espaços de anotações com mais nomes e números.

Foi nesse cenário que me tornei o menino de recados do famoso cantor João Bosco, que tinha um amigo como meu vizinho de porta, o professor Afonso Guerra Baião. Ele ligava lá para casa e eu corria para avisar o ex-colega de República de Ouro Preto dele, que o aguardava na linha.

Ligações interurbanas, as Discagens Diretas de Longa Distância (DDD) e as Discagens Diretas Internacionais (DDI), não eram baratas. Demorar pendurado em conversas de chamadas locais também pesavam no bolso. Por isso, nossos pais mantinham cadeados nos discos do aparelho boa parte do dia, para evitar surpresas desagradáveis nos boletos mensais.

Ah! Não consigo esquecer também das saudosas cabines telefônicas da sede da operadora na esquina de minha rua, a Sete de Setembro, com a Praça da Matriz, onde fazíamos certas ligações para Belo Horizonte. No começo, ligações DDD precisavam de ajuda de telefonista. Tempos em que o toque do sininho nervoso do telefone era uma melodia nostálgica que ecoava em nossos ouvidos, mentes e corações. Liga pra mim. Liga pra você?

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