O som do sonrisal
Lembro, sobretudo, do som do Sonrisal, alívio efervescente do
embrulho estomacal, e do apito do trem avisando partida rumo a destinos e desatinos.
Também recordo dos farelos dourados da empada deixados por mordidas com olhos
fechados e do papel roxo envolvendo a nobre maçã importada. E como esquecer do véu branco da cerveja antes
de refrescantes goles ou das gotas de sereno estacionadas no capô do fusca ao
amanhecer na roça?
Liga de borracha para juntar notas de dinheiro ou fichas e
arame para fechar saco plástico do pão de forma fresquinho ou do biscoito
crocante sempre tiveram o seu valor. Não pode se dizer o mesmo do palavrão
rabiscado na porta do banheiro da escola, uma provocação à curiosidade e à
irreverência. Melhor lembrar do girino que nadava no fundo do barril cheio de
água no quintal da pensão, uma metamorfose ambulante diante da meninada.
Lascas de lápis acumuladas no apontador eram vestígios de
ideias largadas em folhas que não passaram em branco. O santinho do ente
querido que já se foi era outro papel valioso escondido entre páginas do grosso
catálogo telefônico. Memórias acumuladas como a cinza cor cinza-claro do fogão
à lenha da vovó e as canetas perdidas nas entranhas do sofá da sala de TV, mas
nunca como a teia de aranha por detrás do arquivo de aço do escritório.
Os cacos de tijolos no chão da calçada em frente à construção
me remetem aos resquícios de um passado que se reconstrói em novas formas. A
marca circular de café carimbada pela xícara no guardanapo de pano me brinda,
por sua vez, com o registro silencioso de boa prosa. Aquele taco solto no piso
de madeira no quarto trazia um quê de aventura em cada passo incerto e a meia
furada na chuteira nunca nos impedia de correr atrás dos sonhos.
Nas coisinhas ignoradas repousam emoções e os
seus detalhes são as
pecinhas que se encaixam no mosaico da nossa vida. Por isso, valorizo a beleza delas
e agradeço pelos dias vividos na plenitude. O que mais serve à nostalgia?
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