O banco dos amigos

Por Sílvio Ribas Protegido pelo sigilo de contratos com clientes e principal instrumento de incentivos parafiscais, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) consagrou nos últimos anos como a mão amiga do governo para socorrer e promover aliados no Brasil e exterior. A mais polêmica das ajudas bilionárias que colocam em dúvida o interesse nacional foi dada a Cuba, com o investimento de US$ 682 milhões nos últimos três anos para a ampliação do Porto de Mariel, que será inaugurada no fim do mês pela presidente Dilma Rousseff, em visita oficial à ilha da ditadura dos irmãos Raúl e Fidel Castro. Em 2008, durante o governo Lula, o BNDES aprovou o financiamento de 71% da obra, com três vezes mais recursos que os destinados a Suape, maior porto do Nordeste, desde sua inauguração, em 1983. Ao fim, o terminal cubano terá capacidade 30% superior à do pernambucano. Isso tudo sem contar a necessidade urgente de melhorias no restante do sistema portuário brasileiro, Santos à frente, sem as quais o país perde competitividade todo dia. Dos US$ 218 milhões previstos para ser investidos nos portos brasileiros ano passado, apenas US$ 15,5 milhões foram aplicados. Em contraponto à essa notícia, a diretoria do BNDES tratou de anunciar na última terça-feira a aprovação de R$ 630,5 milhões para financiar 90% da segunda etapa de ampliação do Porto de Pecém, no Ceará. A prioridade dada à infraestrutura de Cuba ganhou um ingrediente ainda mais preocupante em 2012 quando o negócio bilateral foi classificado como segredo de Estado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), cujos detalhes permanecerão ocultos até 2027 sob o argumento de serem “informações estratégicas”. Com isso, nem mesmo a Lei de Acesso à Informação, estreada naquele ano, alcançou o conteúdo do contrato. Além de Cuba, o BNDES ainda tem acordos secretos firmados com Angola, de um total de 15 países atendidos. Campeões nacionais
Dentro do país, a orientação do Planalto ao banco brasileiro de fomento é a de incentivar com créditos subsidiados empresas escolhidas. O BNDES lançou programas setoriais para estimular a produção, mas concentrou o orçamento, seguidamente reforçado por injeções do Tesouro, aos “campeões nacionais”. Essa postura preocupou investidores e analistas, sobretudo após o colapso do grupo EBX, de Eike Batista. Em 30 de outubro último, o ex-bilionário jogou a toalha, quando a petroleira OGX pediu recuperação judicial. Até hoje não se sabe quanto a instituição perdeu com as empresas X. Outra operação nebulosa ocorreu na virada do ano, quando o BNDES fechou acordo para beneficiar novamente o Marfrig, outro campeão nacional desde a era Lula. Com dívida beirando R$ 7 bilhões e cotado a pouco mais de R$ 2 bilhões na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), o frigorífico ganhou o adiamento em 18 meses do vencimento de títulos de dívida (debêntures) de R$ 2,15 bilhões. O prazo foi esticado de junho de 2015 para janeiro de 2017. Os juros do passivo, que somam R$ 130 milhões e vencem em junho próximo, poderão ser pagos no fim de 2014. Para piorar, o banco aceitou converter em 2017 essas debêntures em ações, com preço fixado em R$ 21,50, muito acima do atual valor de mercado, em torno de R$ 4. No fim de 2012, o banco estatal teve chance de virar dono, fazendo uma conversão, mas não exerceu esse direito. O líder do PPS, deputado Rubens Bueno (PR), apresentou segunda-feira requerimento ao Congresso para que o ministro Fernando Pimentel (MDIC), explique o motivo da operação. Ele questiona os critérios para conceder o socorro à Marfrig em vez de outras empresas também em dificuldade financeira. “Queremos analisar os impactos da operação para o banco e as contas públicas”, justificou. Em nota, o banco afirmou que a operação de troca de debêntures foi negociada no âmbito da venda da Seara para a JBS e seguiu “rigorosa análise técnica e passagem por órgãos colegiados”. “A troca dos títulos não constituiu nenhum favorecimento e não resultará em prejuízo para o banco”, acrescentou. Repasses do Tesouro Os repasses do Tesouro ao BNDES começaram em 2009, com um empréstimo de R$ 100 bilhões. Até agora já foram repassados R$ 300 bilhões, a custos elevados e pouco transparentes. O montante baixou para R$ 80 bilhões em 2010, para R$ 55 bilhões em 2011 e alcançou R$ 45 bilhões em 2012, devendo ter recuado para R$ 35 bilhões no ano passado. Em dezembro, o Tesouro autorizou a emissão de 20 milhões de títulos públicos, no valor global de R$ 24 bilhões, em favor do BNDES. No esforço para recuperar a credibilidade das contas públicas com os investidores estrangeiros e agências de classificação de risco, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, os recursos liberados pelo BNDES em 2014 deverão ficar em R$ 150 bilhões, 20% abaixo dos R$ 190 bilhões esperados para o ano passado. O expressivo volume de financiamentos do banco em 2013 superou o recorde anterior, de 2010, quando foram desembolsados R$ 168,4 bilhões. As críticas do mercado internacional, do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de grandes banqueiros do país e, sobretudo, a ameaça de rebaixamento da nota de crédito por parte das agências norte-americanas de risco por causa da expansão da dívida pública, assustaram o governo. Em outubro, Mantega anunciou que a meta do governo era zerar os aportes ao BNDES nos próximos anos. Mas para dar conta dos valores recordes de desembolso no ano passado, foi preciso mais R$ 39 bilhões do Tesouro. A forma agressiva como o BNDES apoia algumas empresas nacionais e os grandes projetos de longo prazo, como os de infraestrutura, também é criticada por barrar a participação nesse segmento de financiadores privados, que alegam ser impossível concorrer com as taxas oficiais. Esse cenário também limita o crescimento do mercado de capitais, ao inibir a disposição de empresas de emitir ações ou títulos de dívida para levantar recursos, preferindo ficar sob a sombra dos empréstimos subsidiados. Sede turbinada Para completar a maré de críticas à sua gestão, o BNDES informou que vai ganhar um edifício anexo, atrás da atual sede, no centro do Rio de Janeiro. O novo prédio deve ter nove andares, além de outros cinco no subsolo. Previsto para ficar pronto em 2019, a obra do imóvel está estimada entre R$ 284 milhões. O edital para a escolha do projeto arquitetônico deverá ser publicado em fevereiro. O banco argumenta que a construção vai suprir necessidade de espaço físico hoje coberta pelo aluguel de 18 andares em outro edifício próximo, ao custo mensal de R$ 6 milhões.

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