Judicialização

Sílvio Ribas As respostas que o Supremo Tribunal Federal (STF) deu ao longo dos últimos 10 anos para preencher lacunas deixadas pelo Congresso Nacional foram interpretadas pela maioria dos parlamentares como protagonismo exagerado e invasão de competência de poderes. Sem considerar eventuais falhas dos ministros da mais alta Corte do país, o fato é que o julgamento deles sobre determinados temas polêmicos representa ponto final para muitas discussões e reação da República aos impasses gerados pela guerra de interesses contrários. Mas um fenômeno que deveria ser mais bem acompanhado pela academia e debatido pela sociedade dentro da judicialização da vida brasileira é o formado pelos crescentes despachos feitos no varejo das demandas sociais, por juízes de instâncias inferiores e pelo Ministério Público, sempre com efeito imediato e irrevogável. O imobilismo do Poder Executivo, de autarquias e outros órgão públicos gera grande ansiedade e até desespero de cidadãos que buscam no Estado soluções para seus problemas. Como o tempo do Legislativo é ainda mais lento que o dos governantes, resta aos magistrados de plantão obrigar um agente estatal a atender o pedido urgente do aflito. Os casos mais escandalosos são os da saúde, em que a noção de urgente tem contornos emotivos e dramáticos. Mas também é nessa área que o choque entre as velocidades do aparelho público lento e da celeridade das ações liminares deixa evidentes a ausência de planejamento e, sobretudo, de critérios para o uso de recursos do contribuinte. Fazer justiça nesses casos aparece como solução para pôr fim à contrariedade individual diante da negativa do serviço que, constitucionalmente, deveria ser prestado em tempo hábil e, assim, configurar-se como eficaz. Mas ocorre que sanar pontos isolados pode comprometer o atendimento de terceiros, por vezes em situação ainda mais emergencial. Começam a surgir casos de cirurgias eletivas estarem tomando o lugar das emergenciais e pacientes terminais muito idosos tomando o lugar de jovens com perspectiva de décadas de vida. As escolhas de Sofia não deveriam existir, mas as filas mostram que a escassez cobra critérios éticos e racionais. Prioridades precisam ser fixadas com transparência e republicanamente respeitadas. Se a judicialização prosperar no vácuo da boa gestão dos serviços essenciais, o drama social só tende a se agravar. Fonte: Correio Braziliense de hoje

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