Indústria cabocla 3

SÍLVIO RIBAS Enviado especial Anápolis (GO) A riqueza do distrito industrial de Anápolis (GO), que é responsável por 11% do Produto Interno Bruto (PIB) do estado, se contrasta com as ruas empoeiradas e a vida miserável das comunidades que vivem ao largo de grandes fábricas. Em frente à maior delas, a montadora de veículos Hyundai, dezenas de milhares moram em casas humildes e são atendidos por serviços públicos precários. Alguns desses cidadãos disseram ao Correio que esperavam uma contribuição social maior das empresas que receberam expressivos incentivos fiscais nos últimos anos. Eles apontam ainda como benefício dos investimentos produtivos o elevado nível de ocupação da mão de obra local, com reflexo positivo no controle da criminalidade, e na excepcional valorização dos terrenos. “Essa fábrica não mudou em nada a minha vida”, afirma Simone Messias, 41 anos, vizinha de porta da Hyundai, separada dela apenas por uma faixa de terra batida onde circulam carros e ônibus. Ela se queixa ainda do trânsito carregado em algumas horas do dia, que leva poeira e barulho para sua moradia simples, onde reside há 20 anos com a família. Lucas, 17, filho da dona de casa, surpreende ao descartar qualquer interesse em trabalhar nas amplas instalações diante do seu alpendre. Prefere disputar uma vaga no varejo, de preferência no centro da cidade. “O salário inicial que pagam lá é ridículo. Até outro dia era apenas o mínimo”, protesta. O jovem era até outro dia uma das crianças que ainda brincam no bairro industrial, soltando pipa. Procurada, a empresa não permitiu a visita à unidade nem indicou um porta-voz. Diferentemente do seu colega de rua, Ademar Alves Júnior, 19, até chegou a sonhar em vestir o uniforme da montadora coreana, onde trabalham cerca de mil operários, mas se decepcionou há algumas semanas ao saber que o seu curso técnico não o colocará na lista dos profissionais procurados lá. “Eles aceitam apenas eletricista industrial e nada de predial”, lamenta. Na fábrica são montados o robusto utilitário urbano Tucson e, em breve, também os modelos IX35 e Santa Fé. O adolescente nascido a poucas quadras da fábrica aproveita para cobrar melhorias nas condições de vida da vizinhança. Na sua avaliação, enquanto a cobertura da rede elétrica e do transporte urbano avançaram, o saneamento básico e as escolhas deixam a desejar. A poucos quilômetros após a saída do povoado a paisagem muda radicalmente. As casas e o pequeno comércio dominado por bares e mercearias dá lugar a grandes plantações de soja, eucalipto, tomates e hortaliças. Até o lançamento, em 1976, do distrito industrial, ocupando 600 hectares localizados estrategicamente próximo de importantes eixos logísticos, como a Ferrrovia Norte Sul, e as rodovias federais 153 e 060, o meio rural imperava em toda parte. Mas essas raízes ainda estão presentes. “Aqui era tudo um cerradão brabo”, recorda o pedreiro Luís Rodrigues da Silva, 58. Atraído pelas notícias de emprego farto no polo empresarial em construção, ele deixou em 1980 o cabo da enxada em Niquelândia para desembarcar em Anápolis em 1980. Sem trabalhar desde março, em razão da queda de um andaime que o ainda faz sentir dores ao se locomover, Seu Luís, como é chamado, está preocupado com a rápida valorização dos imóveis, puxada pela Hyundai. Isso porque o valor do aluguel, atualmente de R$ 780, triplicou em apenas dois anos. “Qualquer casa pequena cobra R$ 450, mais caro que no centro”, ressalta. A vertiginosa industrialização do município, sobretudo da área farmacêutica, atraiu gente de outras regiões de Goiás e abriu novas frentes de negócios, mas também acentuou a exclusão dos trabalhadores com baixa ou nenhuma escolaridade, sobretudo para os mais velhos. Não é difícil encontrar lá os dependentes de benefícios da Previdência. Técnicos do governo goiano descartam qualquer relação entre o aumento da criminalidade ao avanço da indústria e da urbanização. Para eles, os índices recordes ano após ano estão diretamente fomentados pelo tráfico de drogas, sobretudo o crack. Um indicador disso é que dos 700 homicídios em todo o estado no ano passado, 500 ocorreram só em Goiânia, fora dos núcleos industriais. Para continuar agregando renda e pleiteando indústrias de ponta, o governo aposta em centros de formação técnica e universitária. Em março, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) inaugurou um novo complexo com oficinas para ensino de costura industrial, mecânica automotiva e informática. A ampliação da unidade voltada para o treinamento de operários da Hyundai foi concluída em dezembro, ganhando uma linha simulada de produção para a montagem do Tucson. Além disso, conta com o porto seco municipal e o terminal alfandegado de uso público, para armazenar e movimentar cargas importadas ou para a exportação. Atualmente, o polo farmacêutico de Anápolis, maior destaque do distrito industrial, conta com 20 empresas, como os laboratórios Teuto, Neo Química, Novafarma e Melcon. Fora de sua área, mas dentro do município, estão instaladas um complexo agroindustrial e alimentício formado por marcas como Friboi, AmBev e Belma. O governos estadual e municipal negociam a vinda de outros empreendimentos âncora, como a montadora holandesa de aviões Rekkof Aircraft.

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