Ver o Halley? Não cometa essa loucura



Sílvio Ribas

O noticiário de 1986, no Brasil, parecia orbitado pela letra C: Constituinte (a nova Assembleia), Challenger (a espaçonave que explodiu no ar) e... Cometa de Halley. Este último, no entanto, acabou decepcionando multidões ao redor do mundo. Durante meses, fomos bombardeados por uma enxurrada de anúncios, vendendo de telescópios a camisetas, enquanto programas de TV, canções e revistas em quadrinhos cultivavam a expectativa por um espetáculo celeste inesquecível.

Mas todo aquele barulho se esvaziou diante de um mero risco luminoso no céu das noites de fevereiro — tênue, esquivo, só visível aos olhos mais atentos (e pacientes). Lembro dos trabalhos escolares sobre o tema e até de ouvir falar do velho roqueiro Bill Haley, cuja famosa mecha no cabelo evocava, ironicamente, a cauda de um cometa. E o tal show astronômico? Cadê?

Em 1910, na penúltima passagem, o Halley causara pânico — gente temia um apocalipse envenenado por seus gases — e ao mesmo tempo esperança, saudado como uma nova Estrela de Belém. Em 1986, porém, o nome do astrônomo que o identificou quase virou sinônimo de embuste. Eu, adolescente em minha terra natal, Curvelo (MG), fui um dos tantos frustrados... e ainda passei um susto.

Naquela noite, meu pai, meu amigo Cássio e eu resolvemos ir ao encontro do cometa. Pegamos o bravo Fiat 147 verde da família e rumamos até a saída da cidade, perto do aeroporto — um lugar onde a ausência das luzes urbanas nos prometia um céu límpido, digno dos livros de ciências.

Sob a abóbada estrelada, ficamos quase uma hora procurando o Halley, com os olhos ansiosos varrendo a imensidão. Se quiséssemos, quase dava para ver discos voadores — menos o cometa. Foi então que, de repente, dois pontos luminosos apareceram... mas não no céu. Estavam ali, na pista asfaltada, a uns 100 metros de nós, imóveis e misteriosos.

Os pontos se moveram levemente e, em seguida, sumiram numa curva tomada pelo matagal. Olhamo-nos em silêncio, e a adrenalina disparou: “Será ladrão? Preso foragido?” Eram tempos em que histórias de assaltos em fazendas e fugitivos de Belo Horizonte corriam soltas.

Instintivamente, dispararmos rumo ao carro, poucos passos que pareceram maratona. Saltamos para dentro do Fiat e, com o coração aos pulos, voltamos para casa — vencidos pelo medo e pela frustração.

Naquela noite, nem Halley, nem crime, nem contato imediato de terceiro grau. Só tempo perdido, risadas nervosas e o sabor agridoce de uma aventura que se gravou na memória. Um "causo espacial" que, vez ou outra, ainda cometemos por aí.


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