"O fim do mundo está acabando"

 Sílvio Ribas

Durante boa parte da minha vida, ouvi a constante promessa de que o mundo acabaria em breve. Não por guerras ou catástrofes ambientais, mas por profecias, boatos e teorias que vinham com suspense hollywoodiano. Os iminentes apocalipses davam sustos, mas, graças a Deus, nunca chegam.

Lembro bem da virada para este século. Era como se estivéssemos vivendo dentro de um filme de ficção científica. O “bug do milênio” — o temido Y2K — prometia transformar computadores em feras desgovernadas, desligar usinas, fazer aviões despencarem e colapsar o sistema bancário mundial.

Quem viveu o réveillon de 1999 para 2000 com um olho no céu e outro no caixa eletrônico sabe: não houve bug, só uma queima de fogos a mais e um alívio geral por não ter ocorrido nada digno dos jornais do dia seguinte. Ainda teve gente que repetiu a cantilena na virada de 2000 para 2001. Nada.

Já a profecia popular do “de mil passará, de dois mil não passará” parecia saída de rima de benzedeira. Era sussurrada como verdade incontestável nas filas de banco, nas conversas de ônibus e até no almoço de domingo, quando alguém sempre vinha com um “pode anotar aí” antes de soltar essa. 

Muitas décadas antes, em 1910, causou verdadeiro pânico a passagem do Cometa de Halley pelos céus do mundo. Naquela passagem anterior, antes da decepcionante vinda em 1986, vendiam-se máscaras de gás na farmácia e comprimidos “anti-cometa” em feiras livres. A imprensa insuflou o medo. 

Mais recentemente veio a onda do calendário maia. Ah, 2012! O mundo ia acabar em 21 de dezembro, e desta vez com data e hora marcada. Documentários, livros, especialistas da internet e até filmes de grande orçamento preparavam o terreno para mais um grande susto coletivo.

Quando o dia chegou, numa normalíssima sexta-feira, o medo sextou. Nada mais apropriado para um suposto apocalipse: véspera de fim de semana. E foi com esse espírito que muita gente viveu aquele dia — uns fazendo piada, outros festejando a vida e alguns apenas checando a trombeta do relógio.

Entre uma previsão e outra, sempre surgia a ideia do planeta desconhecido prestes a colidir com a Terra — Nibiru, Planeta X, Planeta Hercolubus, cada um com nome mais ameaçador que o anterior. E, claro, nunca esbarraram na gente. Mas rendiam bons programas de auditório e capas de revista.

Nesse clima de anúncios apocalípticos, lembro da tirada brilhante de um amigo dos tempos de faculdade, que sempre encerrava as conversas com um aviso solene e farsesco: “O fim do mundo tá acabando”. Uma genial mistura de dois enunciados sinônimos que juntos se anulavam. Boa, Nisio!

Qual o segredo por trás de tanto fascínio com essas besteiras? A ideia do fim nos instiga porque, no fundo, queremos que algo comece. Uma nova era, uma nova atitude, uma revisão de prioridades. Cada “fim do mundo” previsto — e frustrado — talvez tenha servido para isso: renovar promessas.

Olho para tudo isso como quem folheia um álbum de absurdos carinhosos criados pela mistura de ingenuidade, superstição e desejo de crer em algo maior, mesmo que seja The End. Após tantas tentativas, o mundo insiste em continuar, embora saibamos que astronomicamente, o desfecho final virá. 


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